Às vezes, adolescentes podem demonstrar mais sensatez que seus pais — e ainda mais astúcia. Debra Granik é mestre em retratar adolescentes enfrentando inúmeros conflitos típicos da idade. Ela mostrou essa habilidade em “Inverno da Alma” (2010), quando revelou o talento de Jennifer Lawrence no papel de uma jovem que luta para cuidar da mãe, com limitações intelectuais, e dos dois irmãos menores. Tanto o filme quanto Lawrence receberam indicações ao Oscar de Melhor Filme e Melhor Atriz, respectivamente, em 2011. Em “Sem Rastros”, Granik arriscou novamente, e o resultado foi igualmente notável.
Will e Tom são pai e filha que vivem isolados em uma grande reserva florestal nos arredores de Portland. Para eles, o isolamento não é um problema, mas as autoridades americanas desaprovam essa situação, empenhando-se em retirar os desabrigados de espaços públicos. Quando são forçados a deixar a reserva, Will e Tom passam a estar sob a tutela do Estado. A resistência dos dois à interferência governamental resulta em uma tentativa obstinada de retornar à vida que conheciam, uma existência muito mais satisfatória para Will do que para Tom.
Ben Foster, com uma carreira marcada por papéis de personagens marginalizados, traz sua expertise para este filme. Seu desempenho como Will, assim como o Tanner Howard em “A Qualquer Custo” (2016), de David Mackenzie, equilibra a sordidez com uma certa doçura. Esse equilíbrio faz de Will um personagem complexo, cuja conduta imprevisível e multifacetada se destaca ao longo do filme.
Will não pode ser simplesmente rotulado como um mau pai; seu comportamento precisa ser entendido à luz de um trauma psicológico, quase uma versão masculina do mito de Jocasta. A interpretação de Foster em “Sem Rastros” é crucial para o sucesso da narrativa, assim como a atuação de Thomasin McKenzie, cuja presença marcante também brilhou em “Jojo Rabbit” (2019), de Taika Waititi.
Tom é o contraponto à instabilidade do pai, um veterano de guerra traumatizado. Ao longo do filme, fica claro que a vida errante começa a afetá-la. Em uma cena delicada e sutilmente cômica, após comer cogumelos refogados, Tom ainda sente fome, um reflexo de sua insatisfação crescente. Esta pequena passagem catalisa o argumento central do filme. Will, num raro momento de clareza, decide fazer compras, levando Tom consigo. Para a garota, a experiência é uma descoberta prazerosa, especialmente o passeio no teleférico, dando-lhe uma amostra da vida que poderia estar vivendo.
O espectador é gradualmente tomado por uma sensação de desconforto que se transforma em uma tristeza profunda, similar à que se sente em filmes que exploram relações deterioradas entre pais e filhos, como “O Quarto de Jack” (2015), de Lenny Abrahamson. Tom vive uma forma de prisão com um pai incapaz de perceber suas necessidades e de reconhecer que ela não é mais uma criança, negando-lhe a chance de uma vida normal.
À medida que o filme avança, torna-se evidente a incompatibilidade entre Will e Tom. A jovem precisa desesperadamente se libertar do pai para poder viver como uma pessoa comum, integrar-se à sociedade e evitar o destino marginal que ele aceita. Uma assistente social tenta proporcionar um novo começo para Will e um ponto de partida digno para Tom, mas seus esforços são constantemente sabotados por ele.
Apesar de sua inocência, Tom percebe que seu pai é incapaz de viver como os outros. Ainda assim, ela o acompanha em uma jornada autodestrutiva até encontrarem uma comunidade alternativa. Novamente, ela acredita que ele poderá se adaptar, mas Will continua sendo um peso que a arrasta para baixo, até que ela entende que a única saída é deixá-lo para trás.
No núcleo de “Sem Rastros”, reside a dolorosa verdade de que algumas pessoas, por mais que as amemos, devem ser deixadas no caminho. A nova jornada pode ser difícil no início, mas torna-se mais leve com o tempo, à medida que se olha para trás e se vê tudo o que poderia ter sido. A saudade pode doer, mas também liberta.
Filme: Sem Rastros
Direção: Debra Granik
Ano: 2018
Gêneros: Drama/Mistério
Nota: 8/10