Não tenho nada contra os copos térmicos. Nada mesmo. Muito pelo contrário. Acho até que são os melhores do mundo, depois, é claro, dos clássicos copos americanos de vidro canelado, de 190 ml, fartamente utilizados nos botequins que eu frequento. Ando pistola com os copos térmicos. Parece antagônico, mas, eu explico. Na verdade, ando implicado com usuários de copos térmicos. E eles estão por todas as partes. Nos bares. Nos regabofes. Nas despedidas de solteiro. Nos funerais. Nos bailes de formatura. Nos batizados. Nos cabarés.
Nos cabarés não. Eu tô brincando. Aliás, a última vez em que entrei num bordel eu ainda tinha franja e a Rita Cadillac era uma das dançarinas mais imitadas pelas strippers que faturavam horrores fazendo covers da famosa chacrete. Naquela época ainda não haviam instalado canos de meia polegada para a prática de pole dance nos lupanares. Pode até parecer síndrome de vira-lata, mas, a verdade é que sempre houve um delay tecnológico entre os países de primeiro mundo e as nações emergentes como o Brasil. O cancro duro, por exemplo, só chegou em terras brasileiras em 1500, quando a sífilis já comia solta na Europa. Algo mais que devemos aos colonizadores portugueses.
Voltando ao tema: ando cabreiro com a turma que usa os tais copos térmicos. Eu sei que isso não é da minha conta, mas, precisava me abrir com alguém sobre esse assunto. Estão cada vez mais ousados, orgulhosos e confiantes. Tirei uns dias de férias e fui gozar o ócio na Bahia, próximo ao suposto local onde as caravelas aportaram na terra dos povos originários. Eu gosto dos baianos. No duro. São uma gente simpática, hospitaleira e bem-humorada. Não sei se eles já estão se sentindo incomodados com os turistas que levam copos térmicos para a praia. Eu sim, porque até água de coco sorvem naqueles recipientes de tecnologia aeroespacial. Não sou economista, pessimista, nem chauvinista, mas, receio que os copos térmicos poderão diminuir consideravelmente a venda de cerveja, de água de coco e de sangue-do-cordeiro em todo território nacional. Ninguém mais parece ter pressa para se embebedar, para se hidratar ou para se salvar, o que não deixa de ser um martírio para seres ansiosos como eu.
Não. Não sou um homem preconceituoso. Nem mané. A priori, acredito que toda pessoa que beba cerveja num copo térmico seja um cidadão do bem, apesar de mandar mal com o exibicionismo. Há exceções. Alguns que vão aos churrascos lá em casa, por exemplo. Cerveja e carne não levam, mas, os copos térmicos sempre surgem a tiracolo. Acho isso pedante, deselegante. Parece mais um modismo, outro fenômeno comportamental intrigante que poderá merecer críticas antropológicas da parte de estudiosos abstêmios ou não que jamais bebem cerveja em copos térmicos nos eventos para os quais são convidados. Eles usam os copos oferecidos pelos anfitriões e fim de papo.
Back to Bahia. Vesti uma sunga desbotada, laceada, do século passado e parti para uma caminhada pela aprazível orla tropical. O céu estava livre de nuvens. Um sol para cada pessoa. O mar azul com ondas espumantes. Tinha gente à beça na praia, apesar da baixa temporada. Cruzei por uma mulher bonita, vistosa, cujo corpo zero-gordura-trans estava repleto de tatuagens, o que me remontou às antigas gomas de mascar cujos papéis da embalagem a gente besuntava de cuspe, pressionava contra a pele e produzia tatuagens incríveis que duravam três banhos. Com o tempo, aprendi a gastar saliva com outras finalidades.
A bela mulher — parecidíssima com a Gretchen dos meus áureos e longevos tempos de punheta — estava deitada numa espreguiçadeira e disse psiu. A todo mundo diria psiu? Pensei. Olhei para trás e apontei o fura-bolo contra o esterno macilento. Seria comigo? A garota sorriu e assertou com a cabeça ao balançá-la para cima e para baixo. Chamou-me com o dedo indicador que encolhia e que espichava feito uma lagarta, numa comunicação gestual que não deixava dúvidas de que aquele cara era eu.
— Bom dia. Calor, hein? — comentei ressabiado, sem saber ao certo o que dizer, sem ter bolsos onde enfiar as mãos.
— Aqui na Bahia o povo é quente, pai.
— É verdade. São todos muito atenciosos com os turistas. Estou impressionado. Parabéns.
A moça sorriu.
— E então, precioso… Tá interessado num carinho?
Juro que não entendi a pergunta.
— Desculpe, moça. Como é?
— Você quer um carinho, meu rei?
— Um carinho?
— Sim. Eu faço carinhos. De todos os tipos.
— Putz. Acho que não estou entendendo, moça.
Sempre fui lerdo para captar o significado das coisas nas entrelinhas.
— Eu tenho um lugar aqui perto. A gente pode sair um pouquinho, tomar uma ducha, ficar mais à vontade.
— Ficar mais à vontade parece muito interessante.
— Ôxe.
— Você é massagista?
— Sou tudo o que você puder imaginar.
— Bem que o ciático anda me atazanando nos últimos dias.
— Pois, então, pai. Simbora se divertir um bocadinho? — ela insistiu, bebericando num copo térmico que tinha o escudo do Esporte Clube Vitória.
— Moça, não me leve a mal, vontade não falta, pode acreditar, mas, estou viajando em férias com a minha companheira. Sinto muito. Você é bonita como uma pororoca. Já disseram que se parece pra caramba com a Gretchen?
Ela sorriu mais uma vez e respondeu que não conhecia a Gretchen, mas, que gostava muito da Anitta. Então, levantou o customizado copo térmico para o alto e disse saúde. Retribuí ao brinde de forma patética, arqueando os dedos da mão direita como se segurasse um copo americano invisível. Retomei a caminhada solitária, desenturmado. Pensava na vida, só para variar. O mundo estava esquisito. O comportamento humano continuava mudando numa velocidade alucinante. Eu nada podia fazer a respeito. Ou me adaptava ou desencanava. Imaginei aquela morena dependurada num cano de pole dance. Diabos! Os copos térmicos estavam dominando o mundo. Da mesma forma que o gelo seco, o pokémon e o pau-de-self tinham feito num passado recente.