A falta de experiência pode ser um trunfo, especialmente em áreas onde a diferença entre um trabalho extraordinário e um desempenho mediano reside na autenticidade. É o caso de Timothée Chalamet, que desde seu papel de destaque em “Interestelar” (2014), dirigido por Christopher Nolan, se tornou uma estrela. Existem, no entanto, carreiras que são construídas gradualmente, com paciência e dedicação, tijolo por tijolo, e que podem culminar em grandes realizações ou não.
Richie Merritt, protagonista de “White Boy Rick” (2018), ainda é uma promessa, mas uma promissora — mesmo que a redundância seja permitida aqui. Será que Merritt consegue conferir realismo a personagens tão diferentes quanto Richard Wershe Jr., o complexo protagonista de “White Boy Rick”, da mesma forma que Chalamet faz em “Me Chame Pelo Seu Nome” (2017), de Luca Guadagnino, “O Rei” (2019), dirigido por David Michôd, ou “Duna” (2021), dirigido por Denis Villeneuve? Ou será ele um daqueles atores que brilham intensamente em um único papel, mas não conseguem ir além? Apenas o tempo dirá. Merritt também está no elenco de “Clean” (2020), de Paul Solet, ainda inédito no Brasil.
Em “White Boy Rick”, o diretor francês Yann Demange cria um retrato complexo de Wershe Jr., o Rick Branquelo do título, um adolescente dividido entre o tráfico de drogas e o papel de informante do FBI, atividades que lhe proporcionam um rendimento significativo. A grande força do filme de Demange é a autenticidade da narrativa, muito graças ao desempenho de Merritt. Até mesmo veteranos como Matthew McConaughey, que interpreta Richard Wershe Sr., pai do protagonista, demoram a se destacar.
Merritt é tão convincente como o jovem inicialmente ingênuo que, ao perceber a precariedade de sua vida, decide mergulhar no crime, acreditando que essa é a melhor decisão para seu futuro. A premissa de desintegração familiar, evidenciada pela cena em que pai e filho visitam uma feira de armas em Detroit — na época, a cidade mais importante de Michigan —, onde o garoto presencia diversas transgressões, inclusive por parte do pai, é fundamental para a transformação de Rick. Pouco tempo depois, agentes do FBI, Snyder (Jennifer Jason Leigh) e Byrd (Rory Cochrane), começam a extorqui-lo, e para proteger a liberdade do pai, ele aceita participar de um acordo para comprar e vender drogas, facilitando um plano maior para prender traficantes importantes.
A partir deste ponto, os principais arcos dramáticos de “White Boy Rick” se desdobram. A corrupção policial, os efeitos devastadores das drogas — que Rick testemunha de perto ao observar o comportamento da irmã, Dawn (Bel Powley), cuja dependência aumenta após sair de casa para viver com Tyler (Lawrence Adimora) —, os perigos do submundo do crime, a falência do sonho americano nos anos 1980 e a reprodução dos modelos comportamentais inadequados do pai são temas que ganham destaque à medida que a história avança. Rick revela sua imaturidade ao ser traído por um membro de sua quadrilha, não compreendendo completamente as regras tácitas do mundo do crime. Em 1988, Richard Wershe Jr. foi condenado à prisão perpétua, conseguindo liberdade condicional apenas quase três décadas depois, em 2017.
Matthew McConaughey oferece o suporte ideal para o desempenho de Richie Merritt. Sua versatilidade, já comprovada em “Clube de Compras Dallas” (2013), dirigido por Jean-Marc Vallée, e “O Lobo de Wall Street” (2013), de Martin Scorsese, dá profundidade ao personagem do pai, servindo como um alerta ao público sobre os perigos de escolhas erradas. “White Boy Rick” é um filme centrado no personagem, com um protagonista desenhado sob medida. Espera-se que Richie Merritt continue a mostrar seu talento em diferentes papéis no futuro.
Filme: White Boy Rick
Direção: Yann Demange
Ano: 2019
Gênero: Crime/Thriller
Nota: 9/10