Último dia para assistir na Netflix: nenhum filme dos últimos 20 anos te impactará tanto Divulgação / Universal Pictures

Último dia para assistir na Netflix: nenhum filme dos últimos 20 anos te impactará tanto

Uma das cineastas mais detalhistas e renomadas de Hollywood, Kathryn Bigelow, cria em “A Hora Mais Escura” (2012) um retrato preciso do clima de instabilidade e medo que dominou os Estados Unidos após o 11 de Setembro. Nesse evento catastrófico de 2001, o terrorismo se revelou ao mundo de forma avassaladora, causando um impacto que ainda é condenado pela comunidade global e por aqueles que valorizam os princípios civilizatórios que nos permitem viver com alguma ordem, sem abrir mão da liberdade e segurança individuais.

 Já muito se discutiu sobre o impacto do choque das duas aeronaves contra as torres gêmeas do World Trade Center em Nova York, da terceira que atingiu o Pentágono, sede do Departamento de Defesa americano, e da queda do quarto avião em um campo na Pensilvânia, após uma tentativa heroica de passageiros e tripulantes de retomar o controle do voo 93 da United Airlines. Nenhum dos ocupantes sobreviveu, resultando na morte de 2.977 civis e 19 terroristas, além de ferir 6.291 pessoas.

Ao investigar os eventos por trás do maior ataque à soberania americana, torna-se evidente que a resposta institucional aos atentados, embora necessária, derivou para abusos diversos, incluindo contra civis. O 11 de Setembro e as duas décadas subsequentes transformaram-se em um cenário de disputas onde o “vencedor” é aquele que acumula mais vítimas, uma insana vitória contra a lógica, o bom senso, a diplomacia, a política, a economia e a humanidade. As democracias ocidentais foram forçadas a reconhecer seus próprios defeitos, enquanto a instabilidade aumentava em nações tradicionalmente fortes. Esse tema exigia uma análise séria e multifacetada, algo raro entre burocratas globais. Bigelow, no entanto, não recuou diante do desafio.

De maneira consciente ou não, Bigelow centra grande parte da ação em uma personagem feminina que personifica a paranoia, o medo e o orgulho ferido dos Estados Unidos, nunca completamente recuperado. A diretora deixa claro que este é um filme pessoal, definido por sua visão de mundo presente em cada detalhe, muitos deles invisíveis a olho nu. A partir de um certo ponto do roteiro de Mark Boal, é Jessica Chastain quem atrai todas as atenções com uma performance que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz, prêmio que conquistou uma década depois com “Os Olhos de Tammy Faye” (2021), dirigido por Michael Showalter. Maya, a protagonista encarnada pelo talento singular de Chastain, expressa através de uma atuação vigorosa e um trabalho corporal intenso, a jornada para capturar Osama bin Laden, líder da Al Qaeda, responsável pelo ataque.

O roteiro de Boal, sequência de “Guerra ao Terror” (2008) — que recebeu os Oscars de Melhor Filme e Melhor Diretor, entre outros prêmios —, oscila em tensão, mas destaca-se principalmente devido à atuação de Chastain. Ela transmite com habilidade o temperamento obsessivo de Maya, seu profundo apego à carreira e à sua missão, transformando a narrativa em uma reflexão sobre a loucura que ameaça consumi-la, ofuscando outros personagens e a própria trama. Bigelow extrai essa versatilidade de Chastain, conferindo ao filme uma personalidade marcante que caracteriza toda a sua filmografia.

A realidade dos eventos perde relevância diante da força do enredo, amplamente coberto pela mídia, um aspecto que tanto enriquece quanto dilui a urgência da história. O grande acerto de “A Hora Mais Escura” é focar nas fraquezas humanas de Maya, simbolizando a limitada capacidade humana frente a um cenário de adversidade extrema. Maya triunfa, mas a um preço que ela mesma não consegue medir.


Filme: A Hora Mais Escura
Direção: Kathryn Bigelow
Ano: 2012
Gêneros: Guerra/Thriller
Nota: 9/10