Filme com Chris Hemsworth e Idris Elba, visto por 130 milhões, é a franquia mais bem-sucedida da Netflix Jasin Boland / Netflix

Filme com Chris Hemsworth e Idris Elba, visto por 130 milhões, é a franquia mais bem-sucedida da Netflix

“Resgate 2” não deixa nada a dever às melhores histórias de super-heróis. Os personagens do filme de Sam Hargrave desempenham uma função bastante específica; irrompe o conflito, pelo qual o espectador anseia e que julga insolúvel, e surge o herói, cheio dos atributos que só ele mesmo têm, presença obrigatória, quase enjoativa, dizendo nas entrelinhas que pode dirimir todo impasse.Nesse ponto, o roteiro de Joe Russo, codiretor com o irmão, Anthony, de “Vingadores: Ultimato” (2019), parece ter a intenção de repensar para que servem os candidatos a salvador do mundo nas tramas desfiadas pelo cinema.

Solitário, o personagem central, mais morto que vivo, tenta manter-se no jogo, sem nenhuma glória. Esses momentos fugazes escapam num relance, ao passo que ele é forçado a abdicar de pedestres vaidades pela sobrevivência. Aqui, o Tyler Rake de Chris Hemsworth se lança a um propósito de autoafirmação, o que fez sem tanto brilho no longa que inaugura a franquia, de 2020, e se levanta como consegue, até sentir-se capaz de assumir sua nova e mais difícil missão. Ele pode chegar lá, claro, mas resta no público uma sombra de incerteza. E se estiver apenas se sobrevalorizando?

A fisionomia assustada de Nik Khan, a personagem de Golshifteh Farahani, desponta na tela banhada na luz de ouro velho da fotografia de Greg Baldi enquanto os créditos se sucedem. Os flashbacks dispersos do texto de Russo são usados por Hargrave para lembrar a instabilidade moral do protagonista, e as suspeitas quanto a sua índole afloram com violência, como se dar-lhe algum crédito fosse uma operação de risco da qual talvez não se voltasse. Sua natureza indigna de confiança e a bruma de mistério terrífico que o envolve deixam-no menos  distante e previsível dos tipos truculentos e munidos de certezas que pululam nessas tramas.

Quem precisa ser salvo aqui é o anti-herói de Hemsworth. Ele é assistido pelos médicos que Nik supervisiona de perto, e, mesmo paralisado num coma que parece eterno, todos sabemos, claro, que há de sair dessa e recuperar o tempo perdido. “Resgate 2” ganha um providencial feitio de saga no momento em que Hargrave leva a narrativa a rodar mundo, a começar por Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o que cristaliza no público essa aura do super-homem nietzschiano de Rake, incansável em seu propósito de superar-se.

A cadência do enredo parece o trem desgovernado em que Rake e Nik embarcam durante o clímax de “Resgate 2”, quando os capangas de Ovi Mahajan, o mandachuva do crime organizado de Mumbai vivido por Pankaj Tripathi, sabem que o guerrilheiro de aluguel está livre e em franca retomada de seu ofício. O diretor refresca a memória do público com um ou outro diálogo em que Hemsworth e Farahani relembram a malfadada operação de salvamento do filho de Mahajan, Ovi Jr., de Rudhraksh Jaiswal, e juntos na desdita, Rake e a ex-gerente geral dos negócios do gângster têm agora de encarar a fraternidade a toda prova da máfia do indiano, não para acumular fortuna, mas para continuar vivos.

A misantropia por trás de uma história aparentemente banal é elaborada por Hargrave a partir dos vários clichês que empregara em 2020, e o diretor situa cada uma dessas duas almas sujas nas prisões de Schwarzau e Graz-Karlau, nos arredores de Linz, na Áustria. A promessa de felicidade em comum para eles se mantém como o vilão de Idris Elba sugere no desfecho, mas só se poderá saber quando essa caçada ganhar sua terceira parte.


Filme: Resgate 2
Direção: Sam Hargrave
Ano: 2023
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 8/10