Tudo certo e na mais perfeita paz. Cabelo domado, contas em dia e coração com afeto. Os amigos estão perto, o trabalho vai bem e o Wi-Fi não caiu. Fez sol e a roupa secou. No ônibus, geralmente lotado, há dois lugares vagos — um é seu e o outro do rapaz bonito que te olha com ternura. Em casa, mais tarde, a omelete que usualmente resulta em gororoba intragável sai perfeita. No whatsapp mensagem do novo amor, no e-mail confirmação da companhia de viagens sobre as férias no Caribe. Pela janela centenas de estrelas pintam de dourado a noite que encerra um daqueles dias que trazem a certeza de que a vida vale a pena.
Dez da manhã. Despertador não tocou. A reunião era às 9h. Celular sem bateria, carregador não funciona. Prende o cabelo em um coque improvisado, corre afobada no salto agulha, esquece a roupa seca no varal. Chove! O ônibus não passa. No táxi, CD do Calypso. Um mal-estar no estômago — salmonela da omelete, certamente. À noite, no whatsapp, 12 mensagens (todas correntes no grupo da família). Canal de filmes sem sinal… o jeito é ler jornal. “Governo anuncia suspensão da emissão de passaportes.” (Tchau, Caribe. Quem mandou deixar pra última hora?). Pela janela, o som da furadeira do apartamento ao lado fecha um daqueles dias que nos levam à conclusão de que a vida é trator que atropela sem piedade.
Será sempre assim. Em um dia você é sorteada na rifa, no outro bate o carro por distração. Em um mês desfruta de força e saúde, no outro acorda fragilizada em um quarto frio de hospital. Em um ano aterrissa na cidade dos sonhos, no outro pega voo de partida com o peito apertado. É a maneira de o mundo nos dizer que é ilusão querer andar em linha reta. É a chacoalhada que nos tira da rota e, ao mesmo tempo, nos coloca no eixo. São os trancos e barrancos de um lado e as dádivas do outro balanceando a luta, equilibrando o jogo.
Há por toda parte armadilhas do destino. Certas vezes a alma se acalma no aconchego das amizades duradouras, dos empregos estáveis e dos amores correspondidos. Outras tantas chora a ruptura dos laços, a agonia de um futuro incerto, o desconforto da dedicação de mão única. Há festas em que a banda toca nossa trilha preferida e bailes em que tudo desafina. Ajeite o passo, ajuste as notas. O jeito é dançar conforme a música.
Aceitemos: viver é gangorra. É família unida e briga entre irmãos, é aumento de salário e jornada desgastante, é não gostar do espelho e se redescobrir. É nostalgia de um lado e abraços em contrapartida, é perder a fé agora e agradecer a bênção depois. É achar tudo um saco e cantarolar baixinho, andar descalça feliz e bater o dedo na quina, sentir cansaço por tudo que não dá certo e esperança por tudo que há de vir. É passar embaixo da escada hoje e encontrar um trevo de quatro folhas amanhã. É não andar em círculos e, só assim, sair do lugar. Pode tirar o carrossel da chuva. A vida é montanha-russa.