Primeiro filme de Edward Norton, romance adorável e inteligente que você precisa ver no Prime Video Divulgação / Miramax

Primeiro filme de Edward Norton, romance adorável e inteligente que você precisa ver no Prime Video

A maioria das pessoas só vêm ao mundo para enchê-lo de sua parvidade megalômana e de seus arroubos de falsa modéstia, muito bem disfarçada de caridade, simpatia, empatia ou qualquer outro falso bom sentimento, miseravelmente conspurcado pelo lodo da hipocrisia. Esse dom quase cartesiano de encaminhar os acontecimentos ao sabor das conveniências da hora, não é, claro, o que se pode definir por vantagem.

O amor tem seus caprichos e suas surpresas, e quem faz propaganda de sua alma imaculada, pura, incorruptível, geralmente está de olho nas vantagens que os demais não alcançam. A mais humana das emoções está sempre na mira de poetas, músicos, pintores, cineastas, e por essa razão “Todos Dizem Eu Te Amo”, no Prime Video, soa como uma ópera-bufa, louvando e desfazendo do que a vida pode ter de mais nobre. Cínico e genial,

Woody Allen coloca-se no centro de um imbróglio quase pueril em se tomando por base o que se tornaram as relações nos últimos trinta anos, lembrando um pouco o que se tinha na Era de Ouro do cinema, entre os anos 1920 e 1960. Os lances poéticos e até transcendais dos primeiros amores brotam dos corações duros e áridos dos nova-iorquinos entediados que o diretor-estrela-roteirista absorve e projeta em sua história, dando mais ênfase ao lirismo que à técnica.

A vida é uma sequência de incertezas, e dessas incertezas surgem questionamentos ainda mais profundos acerca dos temas mais improváveis, aqueles cujos desdobramentos assaltam-nos com mais violência nos momentos da jornada em que estamos miseravelmente sós, à espera de algum acontecimento entre mágico e brutal que nos possa devolver a crença de que viver tem sua graça e suas boas surpresas.

Não é fácil aceitar o mundo como o conhecemos, e é ainda mais difícil tentar corresponder ao que podem esperar de nós aqueles que não nos conhecem e assim mesmo não demonstram pejo algum em arvorar-se em nossos juízes ou nem isso, condenando-nos por sermos quem somos, cruz que já carregamos sem sentir. Isso fica cada vez claro em todas as ocasiões em que Allen surge, na pele de Joe, um escritor ainda mais solitário desde que Giselle, a namorada parisiense, o deixou.

Muito da Cidade Luz, por óbvio, perde o brilho para ele, o que o leva de volta à Nova York natal, mas o diretor substitui a acrimônia de “Desconstruindo Harry” (1997) ou “Homem Irracional” (2015), especialmente depois que inclui no enredo o núcleo jovem, com Julia Roberts à frente — mas não sem antes abrir espaço para que Edward Norton cante “Just You, Just Me” (1957), de Bob Brookmeyer (1929-2011), para a personagem de Drew Barrymore.

Von, a aspiração romântica de Joe, é o saboroso enigma que se lhe atira ao colo depois da interferência bastante insólita de DJ, filha dele, pela qual Natasha Lyonne se assume uma extensão da picardia de Allen, ainda que mais charmosa. Temas delicados aparecem e somem, liquidados pelas tiradas ora mordazes, ora comoventes de Joe, que se lamuria e sangra até o desfecho, justo para um homem tão singular.


Filme: Todos Dizem Eu Te Amo
Direção: Woody Allen
Ano: 1996
Gêneros: Musical/Comédia
Nota: 8/10