“A vida é solitária, pobre, sórdida, brutal e curta”, disse Thomas Hobbes (1588-1579) em seu “Leviatã” (1651). É verdade, mas a frase pode fazer ainda mais sentido para sujeitos como Stanley Crawford, o ilusionista em torno de quem “Magia ao Luar” se move, levando o espectador por passeio ora vertiginoso, ora idílico pela fascinante miséria humana. Como sempre, Woody Allen domina como poucos a arte de misturar assuntos os mais diversos tentando chegar às profundezas da alma de pessoas que jamais conheceu, mas que saem dele, inventando seu próprio universo, para onde qualquer um iria se tivesse a sorte.
Aqui, o diretor, um sacerdote na missão de tornar verossímil uma história que talvez jamais tivesse lugar no mundo real, exalta a artesania de um cinema pelo qual poucos continuam a se interessar, malgrado não se consiga ter uma vida extraordinária todo o tempo. Allen despeja em cima de Stanley uma boa medida de suas frustrações edipianas, de seu pessimismo espelhado no melhor de Schopenhauer, do descrédito fundamental que sente por toda a criatura, a começar por si mesmo. Até que o jogo, claro, vira, graças ao mais belo dos estímulos.
Allen ambienta esse vaudeville bastante sui generis na Berlim de 1928, abusando dos elementos que remetem a cena a um peça do cinema mudo, não fosse Stanley disparar um petardo de amargura atrás do outro. Na pele de Wei Ling Soo, um prestidigitador famoso em todo o mundo em turnê pela Europa, o personagem, um materialista convicto, parece ter sempre no rosto um sorriso de canto de boca, irônico e ultrajante, aos ingênuos que creem no que sua destreza manual ordena, e quando termina o espetáculo, volta para o camarim tomado de fúria, ou porque o maestro desembesta, ou por causa da assistente, que não segue suas instruções e o faz dançar no escuro muitas vezes.
O roteiro é alinhavado por “You Do Something to Me” (1946), de Artie Shaw (1910-2004) e Sua Orquestra, feito um sonho do qual ninguém quer acordar, e enquanto livra-se da fantasia, Howard Burkan, de Simon McBurney, um ex-colega com quem se formara numa escola para artistas, esboça a possibilidade de um negócio que açula sua ganância. Brice Catledge, o ricaço vivido por Hamish Linklater, está apaixonado por Sophie, uma garota que tem ganhado fama por supostos dons mediúnicos, e a família dele acredita que só Stanley a pode desmascarar.
O encontro desses dois emblemas de um estilo de vida, mas também de uma percepção muito idiossincrásica do que devem ser os dias do homem no mundo, leva “Magia ao Luar”, no Prime Video, a deslizar da comédia para o drama e daí para a iminência do trágico, com Colin Firth e Emma Stone acompanhando a cadência que Allen determina para seus protagonistas. No momento em que percebe que Sophie é mesmo quem diz ser, Stanley, claro, fica preso na inocência da moça, que, claro, gosta.
Embora Firth seja um tanto velho para o papel, a química com Stone é boa o suficiente para que assista lembre-se imediatamente de Owen Wilson e Rachel McAdams (com os sinais trocados) em “Meia-Noite em Paris” (2011), quiçá o trabalho mais filosófico de um criador dos mais sofisticados já vistos, no cinema ou fora dele. Tolos acusam Allen de ser o diretor de um filme só. Sem medo de soar ridículo, Allen é, na verdade, o poeta do ordinário, habilidade que muitos perseguem em vão pela vida afora.
Filme: Magia ao Luar
Direção: Woody Allen
Ano: 2014
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 9/10