O suspense psicológico da Netflix que vai te desconcertar por semanas Divulgação / Netflix

O suspense psicológico da Netflix que vai te desconcertar por semanas

Apesar de aparentar ser apenas mais um diretor, Kike Maíllo, o responsável por “Inimiga Perfeita”, situa-se no seleto grupo de cineastas que inclui Alfred Hitchcock (1899-1980). Mesmo após mais de quarenta anos desde sua morte, Hitchcock ainda ocupa uma posição inigualável no cinema, e parece que continuará assim indefinidamente. Diversos diretores tentaram se aproximar do seu nível, mas, ao se analisar comparativamente o trabalho deles com o de Hitchcock, percebe-se que ele é insuperável no que tange ao controle narrativo e à capacidade de transformar sugestões visuais em experiências psicológicas intensas para o espectador. Ele possuía um talento singular para criar uma tensão contínua e uma atmosfera carregada de suspense que poucos conseguiram replicar.

Maíllo demonstra uma profunda compreensão dos princípios hitchcockianos, evidenciando um equilíbrio entre o que é dito e o que se desenrola nas cenas. Ele sabe quando deixar as entrelinhas se revelarem gradativamente, mantendo o público em suspense até o momento adequado. O diretor espanhol reconhece o perigo de extrapolar os limites da narrativa, permitindo que a história se desenvolva de forma natural, sem imposições forçadas.

O resultado é uma narrativa intrinsecamente misteriosa, onde os desdobramentos são ao mesmo tempo esperados e surpreendentes. Maíllo evita sobrecarregar a audiência com imagens excessivas ou diálogos redundantes, preferindo uma abordagem mais sutil e eficaz. Dessa maneira, ele se afirma como um verdadeiro discípulo de Hitchcock, empregando todas as ferramentas necessárias para construir uma boa história.

O elemento fantástico permeia a obra. Após um início lento, o arquiteto Jeremiasz Angust, interpretado por Tomasz Kot, enfrenta um imprevisto em Paris: um congestionamento que ameaça atrasar seu retorno após uma conferência. A fotografia de Rita Noriega realça a atmosfera sombria que domina os 89 minutos de duração, situando o espectador em um cenário inicialmente harmonioso, mas que rapidamente se transforma em um ambiente de paranoia e caos.

No meio dessa desolação, surge Texel Textor, uma figura enigmática que personifica a intriga central do filme. Em um jogo metalinguístico, o roteiro de Maíllo, Cristina Clemente e Fernando Navarro utiliza o nome da personagem, brilhantemente interpretada por Athena Strates, para representar conversas aparentemente inofensivas, mas que possuem o poder de desestabilizar. Textor, encharcada pela chuva, pede carona ao personagem de Kot, alegando estar atrasada e sem transporte. Inicialmente hesitante, mas compadecido pela situação dela, Angust concorda, desencadeando uma série de eventos que marcarão seu destino.

Ao longo da trama, Textor envolve Angust em conversas que se assemelham a um interrogatório, utilizando uma linguagem incisiva e perturbadora. A interação entre eles revela um grande mistério, que também envolve Isabel, a esposa de Angust, interpretada por Marta Nieto. Este jogo complexo de certezas e dúvidas é cuidadosamente construído, evidenciando a habilidade de Maíllo em criar uma narrativa envolvente e inquietante.

Desde o início, é evidente que Maíllo tinha uma visão clara para este filme, e conseguiu traduzi-la em uma experiência cinematográfica rica e impactante, à altura das melhores tradições do suspense psicológico.


Filme: Inimiga Perfeita
Direção: Kike Maíllo
Ano: 2020
Gênero: Suspense
Nota: 8/10