O segundo filme mais caro da história do cinema está na Netflix e você certamente não assistiu Divulgação / Universal Pictures

O segundo filme mais caro da história do cinema está na Netflix e você certamente não assistiu

O ano de 1993 marca o início de uma nova era. Ao menos foi essa a sensação diante de “Jurassic Park — Parque dos Dinossauros”, o primeiro longa de uma franquia que se tornou verdadeira grife — e febre saborosamente incurável — no cinema de ficção científica. Em 2018, ao fim de meio quarto de século, o espanhol Juan AntonioBayona também passa a integrar o time dos diretores que perpetuam um legado aparentemente sem fim, incólume aos ditames de modismos de naturezas várias e, por paradoxal que soe, modelo de que nunca mais se abdicou.

Quem procurar novidade em “Jurassic World: Reino Ameaçado” vai ficar no sereno. A história é a mesma, os cenários são os mesmos, é possível se inferir que determinados personagens continuam com a visão de mundo de três décadas atrás, repetindo o que se assistia em “Jurassic Park”, e desse mergulho num tempo (quase) morto voltam a emergir as razões para um instante de análise sobre aonde conduziu-nos o livre-pensamento; a glorificação da ciência a todo custo, usada em objetivos duvidosos e para uma minoria com muito dinheiro e moral elástica; o extermínio da fauna e da flora; e o entendimento da vida como uma interminável (e rendosa) possibilidade de diversão para mulheres e homens esvaziados em suas relações líquidas, ainda que tenham de minimizar sua insignificância ontológica por meio da subjugação de feras colossais e assassinas, instintivamente desconfortáveis num novo mundo hostil.

O roteiro de Colin Trevorrow, diretor de “Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros” (2015), e Derek Connollyabusa das imagens de que Spielberg já lançara mão, voltando ao epicentro dos conflitos que ancoram as sete produções da franquia. A ilha Nublar, a ilha dos dinossauros, éden maldito distante da Costa Rica 193 quilômetros a oeste, surge agora em cima de uma massa aquosa de milhares de toneladas, pelos vales abissais do oceano Pacífico. Uma geringonça que tenta resgatar o fóssil de um Indominus Rexrouba a cena. Quando os técnicos finalmente conseguem içá-lo, enviam-no à superfície, onde a equipe que segue trabalhando no que resta do parque, interditado três anos antes, tem de lutar contra uma borrasca tropical que despenca furiosa.

O longuíssimo prólogo explica que em 2015 um erro implicou uma carnificina sem precedentes, e a Masrani Corporation, a administradora da reserva, faliu depois de obrigada a pagar mais de oitocentos milhões de dólares em indenizações. Na BBC, geólogos matraqueiam que a Terra será alvo de um novo evento de destruição em massa, e como tragédias atraem outras hecatombes, a selva está prestes a ser varrida pela lava fervente do monte Sibo. Entidades pelos direitos dos animais ao redor do globo veem na contingência de um apocalipse pós-moderno o momento perfeito para suas manifestações, e uma comissão especial do Senado dos Estados Unidos, perplexa, esforça-se para reduzir os danos.

No segundo ato, o doutor Ian Malcolm de Jeff Goldblum volta para dar seu testemunho ao tal comitê sobre o que acontecia em Nublar quando de sua passagem como geneticista do parque e galã possível do longa de há três décadas, ao passo que, nos bastidores, toma corpo uma operação para resgate dos últimos dinossauros da ilha. Além do personagem de Goldblum, Trevorrow e Connolly trazem de volta Chris Pratt e Bryce Dallas Howard na pele de Owen Grady e Claire Dearing, cujo redobrado empenho em salvar aqueles monstrinhos quase adoráveis esbarra em profanações da ideia original que deixaram os fãs mais puristas num desapontamento inexorável. As instalações estritamente tecnológicas e agrestes do parque, em tudo iguais às do filme de Spielberg, mas revestidas das parafernálias modernas com as quais estamos todos acostumados, ganham certa brandura sob Howard.

Enquanto isso, à moda antiga, uma grua segue os gigantescos répteis e a memorável trilha de Michael Giacchino revive as lembranças dos garotos de dez ou onze anos que assistiram ao primeiro filme nas pré-históricas salas de cinema de rua que cederam espaço a templos evangélicos de mil e uma noites. O carisma de Pratt molda-se com justeza ao papel de candidato a salvador da humanidade, mas o discurso pseudofilosófico de Malcolm por pouco não estraga tudo. Tal como Spielberg, Bayonareforça a mensagem de que se o homem teimasse em coexistir com aqueles lagartos de cerca de quarenta metros de altura, eles é que haveriam de ser os novos donos da Terra, de uma vez para sempre. Dinossauros são só a alegoria mais óbvia para um assunto que, lamentavelmente, adquire relevância cada vez maior.


Filme: Jurassic World: Reino Ameaçado 
Direção: Juan Antonio Bayona
Ano: 2018
Gêneros: Ação/Ficção científica
Nota: 9/10