Suspense épico com Colin Farrell e Nicole Kidman está na Netflix Divulgação / American Zoetrope

Suspense épico com Colin Farrell e Nicole Kidman está na Netflix

Uma onda de sentimentos varre o espectador nos primeiros minutos de “O Estranho que Nós Amamos”, variando entre a inocência e a quase barbárie. Sofia Coppola é a força criativa por trás deste projeto, trazendo seu olhar afiado e delicado para uma história que não avançaria sem seu toque único. Ela compreende profundamente a alma humana, especialmente a feminina, e isso é evidente em sua adaptação.

A trama gira em torno de John McBurney, um cabo do Exército da União ferido durante a Guerra Civil Americana (1861-1865). Fugindo de seu regimento, ele é encontrado por Amy, a mais jovem interna de um colégio para moças administrado por Martha Farnsworth. Este personagem complexo e atormentado, interpretado por Colin Farrell, traz à tona a habilidade de Coppola em explorar os meandros da moralidade e do comportamento humano.

Baseado no romance “The Beguiled” de Thomas P. Cullinan, publicado em 1966, o filme de Coppola suaviza a narrativa original, mas mantém a essência dos personagens. A história se passa na Virgínia, em 1864, durante o terceiro ano da Guerra Civil. Amy encontra McBurney ferido e o leva para o colégio. A interação entre Oona Laurence e Colin Farrell é comovente, com a fotografia de Philippe Le Sourd utilizando luzes e sombras para criar uma atmosfera de melancolia e resistência.

Quando McBurney chega ao colégio, ele está à beira da morte. A caminhada até a propriedade da senhorita Farnsworth esgota suas últimas forças, e ele desmaia aos pés da tutora, interpretada por Nicole Kidman. Kidman, hábil em revelar as camadas de sua personagem, mistura a misteriosa Grace de “Os Outros” com a anti-heroína de “Dogville”. Kirsten Dunst, colaboradora frequente de Coppola, assume o papel de Edwina, trazendo um raio de sol ao ambiente sombrio e controlado do colégio.

A presença de McBurney desestabiliza a ordem e o silêncio femininos do colégio. Edwina, inicialmente reticente, encontra-se disputando a atenção de McBurney com Alicia, uma jovem sedutora interpretada por Elle Fanning. A tensão cresce à medida que cada personagem revela suas ambigüidades morais e desejos ocultos.

Coppola conduz o filme destacando a complexidade moral dos personagens, criando uma atmosfera que lembra as tragédias românticas de Giovanni Boccaccio e Gregório de Matos. A narrativa ressoa com o lirismo cortante de obras como “O Violinista que Veio do Mar” de Charles Dance. A reviravolta final expõe as contradições internas de cada personagem, deixando o espectador refletindo sobre a natureza humana, ao mesmo tempo bendita e diabólica.

O filme de Coppola é uma exploração profunda das dinâmicas de poder e desejo. McBurney, ferido e vulnerável, se torna o catalisador para a revelação das verdadeiras naturezas das mulheres ao seu redor. A diretora usa o cenário isolado do colégio para criar um microcosmo de tensões e conflitos, onde as normas sociais e as expectativas de gênero são desafiadas e subvertidas.

A escolha de Sofia Coppola por um elenco forte e uma cinematografia evocativa resulta em um filme que é tanto visualmente deslumbrante quanto emocionalmente intenso. As performances de Kidman, Dunst, e Fanning são particularmente notáveis, cada uma trazendo uma profundidade e nuance a suas personagens que enriquecem a narrativa.

“O Estranho que Nós Amamos”, na Netflix, é mais do que uma simples adaptação de um romance; é uma meditação sobre o desejo, o poder e a moralidade. Coppola nos lembra que, sob a superfície tranquila de qualquer sociedade, existem correntes profundas de conflito e paixão. E, no final, deixa-nos com uma compreensão mais rica e complexa da condição humana, destacando o quão tênue é a linha entre a civilização e a barbárie.


Filme: O Estranho que Nós Amamos
Direção: Sofia Coppola
Ano: 2017
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 9/10