Obra-prima de Pedro Almodóvar que você ainda não assistiu está na Netflix Divulgação / Canal +

Obra-prima de Pedro Almodóvar que você ainda não assistiu está na Netflix

Há algum tempo, Pedro Almodóvar é o novo príncipe do melodrama. O epíteto, conquistado por Douglas Sirk (1897-1987), tem servido ao espanhol desde que o diretor encontrou o veio inesgotável das histórias de mães e filhos — e, principalmente, filhas —, e essa sua marca registrada nunca mais saiu do radar da crítica e do público. É necessário paciência para gostar de Almodóvar, uma paciência de anos, e assim mesmo nem todos conseguem se identificar com sua obra.

Os mais honestos, entretanto, veem em filmes como “De Salto Alto”, na Netflix, um bom ponto de largada para entender a complexidade de certas relações, e nenhuma delas esconde minudências tão reveladoras em seus mistérios quanto à da mulher confrontada com o desejo, suas ambições e os filhos. Com pinceladas tragicômicas e um pouco de sangue, o diretor-roteirista faz deste o trabalho em que esmiúça as dores da maternidade com mais argúcia, vindo a superar-se três décadas mais tarde, com o monumental “Mães Paralelas” (2021), depois de outros bons ensaios, a exemplo do hiperbólico “Tudo sobre Minha Mãe” (1999), ou de “Julieta” (2016), um tanto seco demais, para o seu gosto ou de quem quer que seja.

Nos anos 1970, Becky Del Paramo já era uma cantora famosa na Espanha, e entre um e outro espetáculo, passa férias com o marido e a filha, Rebeca, na Ilha Margarida, a quarenta quilômetros ao norte do território da Venezuela. A educação repressora que Becky dispensa a Rebeca — que ganha celebridade usando o apelido com que deveria chamar a garota —, misturada a um excesso de vaidade e egolatria, é o primeiro alvo do diretor; quando percebe que essa ideia foi explorada a contento, Almodóvar passa ao outro alicerce que sustenta “De Salto Alto”.

A morte de Manuel vem como uma bênção em meio à efervescência do caso de Becky e Manuel Giner, e ainda que o romance clandestino dos dois não prospere, esse sujeito ambíguo passa a exercer uma estranha influência sobre mãe e filha, cenário ainda mais bizarro depois que, cerca de dez anos depois, Rebeca está casada com Manuel, e as circunstâncias da morte do pai dela ainda pairam feito uma nuvem de surdo terror na vida dos três.

Questõescomo a negligência de Becky para com a filha, incólume ao tempo, mas sempre muito bem-disfarçada sob sorrisos quase doces e olhares mais plenos de comiseração que de afeto, e o manifesto desprezo de Manuel pela esposa vêm a lume suavizados pelos vermelhos, amarelos e azuis a que a fotografia de Alfredo F. Mayo sabe dar ênfase nas horas certas, elevando as cores a personagens secundários de que ninguém está disposto a abrir mão. Quanto à história em si, Marisa Paredes, Victoria Abril e Féodor Atkine fazem as vezes de alter egos de Almodóvar, cada qual num momento específico, dizendo o que o cineasta gostaria de dizer sobre o que simbolizam em sua personalidade mesma. Parece fácil ser Almodóvar, mas não é.


Filme: De Salto Alto
Direção: Pedro Almodóvar
Ano: 1991
Gêneros: Drama/Mistério
Nota: 9/10