Baseado na filosofia de Immanuel Kant, filme com Joaquin Phoenix e Emma Stone está na Netflix Sabrina Lantos / W.A.S.P.

Baseado na filosofia de Immanuel Kant, filme com Joaquin Phoenix e Emma Stone está na Netflix

Abe Lucas atravessa uma fase perigosa em “Homem Irracional”, e Woody Allen, o perigoso diretor do filme, entende de armadilhas da insensatez como poucos. Allen já o havia provado à larga ao assinar pérolas do cinema pensante a exemplo de “Celebridades” (1998) e “O Escorpião de Jade” (2001), e “Scoop — O Grande Furo” (2006), baseado no romance homônimo do britânico Evelyn Waugh (1903-1966), o mais completo entre esses, pleno das gradações entre a privança dos tipos que cria e o desejo de se chegar ao topo, louvável até certo ponto, e sempre flertando com o risco de desvanecer por causa de um sentimento que se projeta nobre.

“Homem Irracional” talvez seja o longa em que torna-se mais explícito o pendor de intelectual desafetadamente polêmico de Allen, aquele em que dá azo a uma crítica direta, mas elegante, à justiça, inclemente em episódios de sua vida pessoal que, sem nenhuma surpresa, descambaram para as páginas dos jornais, escândalos que serviram-lhe de inspiração para o sujeito comum, brilhante mas atordoado, que encabeça a história.

A deleitável paisagem da Nova Inglaterra americana numa tarde de outono, cujo laranja vivo do céu e o verde ainda pálido da copa das árvores resplandecem na fotografia de Darius Khondji, dão a Abe as boas-vindas em nome de Newport, em Rhode Island. O extenso solilóquio que o professor de filosofia elabora no prólogo ganha um ar mais suave e farsesco ao som do Ramsey Lewis Trio.

É quando Joaquin Phoenix aproveita para manifestar a inadequação que Abe ostenta com gosto, mediante gestos quase imperceptíveis, uma mão no cabelo ou um olhar meio oblíquo para a estrada, como se sentisse a plateia acompanhá-lo. Ele chega a seu novo local de trabalho quase como um pop star, recebe os cumprimentos de todos, inclusive da reitora da universidade, mas não vence a indiferença fundamental que o domina. Mas no coquetel que os colegas preparam-lhe, sua expressão adquire outras cores ao ouvir que eles ficaram impressionados com um ensaio de sua autoria.

A Jill Pollard de uma Emma Stone no ponto entra em cena na pele do diabo que tira de vez o contido Abe dos trilhos. O diretor-roteirista menciona um delito de seu anti-herói, e todas as infinitas novas possibilidades abrem-se para que se o tenha como mártir ou pária. Allen tem suas preferências por um dos dois papéis, e as deixa claras. Para o ódio sem remédio de certos pensadores contemporâneos, que enxergam a vida como uma linha reta e tediosa.


Filme: Homem Irracional
Direção: Woody Allen
Ano: 2015
Gêneros: Mistério/Crime
Nota: 9/10