O filme de herói da Netflix que coloca no bolso todos os últimos lançamentos da Marvel e DC Divulgação / Netflix

O filme de herói da Netflix que coloca no bolso todos os últimos lançamentos da Marvel e DC

“Major Grom Contra o Dr. Peste” exemplifica o desenvolvimento, embora gradual e irregular, do cinema russo. Desde o início, essa expressão artística, uma das mais tradicionais e paradoxais da Idade Contemporânea, começou não com um filme, mas com uma peça de propaganda. Em 1896, o cineasta belga Camille Cerf (1862-1936) foi encarregado de demonstrar o que aprendera com os irmãos Lumière e documentar a coroação do czar Nicolau II (1868-1918) no Kremlin, hoje sede do governo russo, em 18 de maio de 1896. Assim, de maneira desorganizada, autoritária e acidentalmente plural, surgia o embrião de uma indústria que já viveu dias melhores, mas que ocasionalmente surpreende com um vigor renovado.

O primeiro filme produzido na Rússia pode ter sido uma vergonhosa glorificação de uma forma sutil de tirania, removida do poder 21 anos depois por outros déspotas. Contudo, apesar das mudanças políticas, da ascensão bolchevique e da subsequente brutalidade, o cinema russo nunca silenciou. Em 1925, o diretor letão Serguei Eisenstein (1898-1948) trouxe às telas o protesto dos marinheiros por melhores condições de trabalho da única forma que conhecia. “O Encouraçado Potemkin”, ambientado em 1905, durante o Império dos Romanov, ilustra essa audácia que continua a caracterizar as histórias russas que chegam ao público mundial, apreciadas por espectadores que distinguem entre a arte de um povo e os tiranos que ocasionalmente governam.

“Major Grom Contra o Dr. Peste” adere a essa tradição. Dirigido por Oleg Trofim, o filme teve sete roteiristas, talvez refletindo um antigo método de trabalho socialista. A distopia neorrealista de Trofim traz uma nostalgia, mas felizmente sem propaganda ideológica. A trama é direta: o investigador mencionado no título, impaciente com protocolos e códigos de ética, resolve seus casos de maneira pragmática e física, sem recorrer a armas. O diretor habilmente destaca as diferenças entre o protagonista, um anti-herói indiferente à opinião pública, e o vilão e seu entorno, que poderiam ser vistos como campeões do bem em tempos de confusão semântica.

O filme ganha vida através de Tikhon Zhiznevskiy, que encarna o que muitos esperam das autoridades, especialmente da polícia. A cena inicial, onde Major Grom persegue bandidos a pé após um assalto a banco, estabelecendo um clima de caos com cédulas espalhadas e um furgão aberto cheio de rublos, define o tom do filme. Grom acaba sendo ridicularizado, e no comissariado, seus colegas apostam sobre quando ele será finalmente dispensado, enquanto ele continua a evitar ser um dos muitos agentes ineficazes e frustrados.

Momentos de frescor surgem em “Major Grom Contra o Dr. Peste” na interação entre o protagonista e o estagiário Dima Dubin, interpretado por Aleksandr Seteykin, e no possível romance entre Grom e a youtuber Yulia Pchelkina, interpretada por Lyubov Aksyonova. Embora não se concretize, esse arco traz a leveza necessária a um filme linear. A entrada de Yulia na vida de Grom é um dos acertos de Trofim, combinando ação, violência, drama e romance. A química entre Aksyonova e Zhiznevskiy evita que a narrativa se torne descartável, mesmo com um núcleo vilanesco notável composto por Sergei Goroshko como Sergei Razumovsky, o magnata que apoia o Dr. Peste, interpretado por Dmitriy Chebotarev.

Como há quase um século, o cinema russo exibe sua vocação para múltiplas interpretações, um verdadeiro ato de coragem de Oleg Trofim e seu elenco. Mesmo como um filme de entretenimento, “Major Grom Contra o Dr. Peste” se permite ser visto sob a lente da experimentação, o que também é uma forma de diversão.


Filme: Major Grom Contra o Dr. Peste
Direção: Oleg Trofim
Ano: 2021
Gêneros: Ação/Aventura
Nota: 8/10