Mulheres foram conquistando espaços que muita gente jamais imaginaria há cerca de meio século, e a todos ganharam com isso. No entanto, é difícil acreditar que ainda hoje existam lugares em que sua submissão incondicional aos abusos de pais, maridos e filhos, até em questões estritamente pessoais conta como um ativo precioso quanto a avaliar a educação e os brios de uma mulher, o que nenhum relativismo cultural explica.
Aos 26 anos, Bassouma, a personagem-título de “Basma”, volta de Los Angeles para Jidá, sua cidade natal, na costa leste do Mar Vermelho, com muito mais que saudade e um fio de esperança na mala. A louvável estreia de Fatima Al Banawi na direção reflete um fenômeno cada vez mais recorrente no cinema do Oriente Médio: certas histórias fazem muito mais sentido quando contadas por quem as vive na carne. Al Banawi empresta corpo, intelecto e, o principal, uma alma sensível e atenta para a protagonista, visivelmente sem norte ao ter de voltar à Arábia Saudita sob o pretexto de realizar uma pesquisa para o doutorado em engenharia ambiental, mas sabe que esse regresso é, na verdade, um acerto de contas com o lugar de onde veio, com o passado, com a família. Consigo mesma.
Se a vida tem surpresas, o amor não é nada menos que o encadeamento de fenômenos em que a subversão da lógica é a única lei. Como as ilusões nunca precisaram de justificativa ou licença, a humanidade permanece se deixando levar por uma ideia de mundo perfeito que, claro, contempla em grande medida, na maior medida possível, o conceito do amor como uma força verdadeiramente poderosa, e como tal, refratária a todo mecanismo de controle.
Basma chega a Jidá ansiosa por reencontrar o (agora barbudo) irmão, Waleed, de Mohammed Fawzi, Kaabur, o fantoche verde que leva no carro sabe-se lá por que, e sua nova família, os sobrinhos pequenos, e a cunhada. A diretora-estrela-roteirista assenhora-se dessa figura ambígua tal como já o fizera em “Barakah com Barakah” (2016), a comédia romântica do patrício Mahmoud Sabbagh ovacionada pela crítica e queridinho do público no Festival Internacional de Cinema de Berlim, desbastando a selva de espinhos que se tornou a convivência dos pais, por um motivo sobre o qual vai debruçando-se aos poucos.
A doença mental do pai, que puxa o fim de um casamento de três décadas, e deságua nas tantas providências que Basma tem de tomar a respeito da própria vida. O namorico de adolescente com Malik, o adorável nerd interpretado por Yasir Al Sasi, flutua como uma hipótese pela qual todos torcemos, malgrado Basma pareça sempre aflita demais para assuntos de alcova. A relação com o pai, composição esmerada de Mai Hakeem, é a grande encruzilhada em seu caminho, e o filme termina assim, com a diáfana promessa de uma felicidade que talvez nunca venha.
Filme: Basma
Direção: Fatima Al Banawi
Ano: 2024
Gênero: Drama
Nota: 8/10