O filme que faturou 1,3 bilhão, ganhou o Oscar e você provavelmente não viu está na Netflix Divulgação / Sony Pictures

O filme que faturou 1,3 bilhão, ganhou o Oscar e você provavelmente não viu está na Netflix

Lançado em 2017, “Blade Runner 2049” é um filme contemporâneo que permanece fiel à sua origem. O estranhamento quanto à obra de Denis Villeneuve, exibida três décadas e meia após “Blade Runner” (1982) de Ridley Scott, reside no fato de que um produto cultural deve fazer sentido dentro do contexto sociopolítico de seu tempo. Assim, ele adquire uma nova vida, sem que isso signifique a irrelevância do seu antecessor ou um desejo de superá-lo. Villeneuve, um dos cineastas mais sofisticados da atualidade, sempre exaltou a genialidade de Scott.

Por sua vez, Scott reconheceu que seu trabalho poderia ser aperfeiçoado, como qualquer outro produto cultural. Villeneuve e Scott entendem que novos mundos muitas vezes surgem das incertezas e que perguntas nem sempre são convenientes. O livro que originou “Blade Runner” e sua sequência contém um questionamento profundo e racional. Philip K. Dick (1928-1982), um dos mais complexos e inventivos autores da cultura pop do século 20, inicialmente não aprovou a versão cinematográfica de “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?”, seu romance mais famoso, publicado em 1968.

Em 1970, soube que os direitos autorais haviam sido vendidos sem seu consentimento e adquiridos por Herb Jaffe, que encarregou seu filho Robert de adaptar a história. O escritor, indignado, teve um encontro tenso com Jaffe para discutir a situação. Felizmente, nenhum confronto físico ocorreu. Em 1977, o produtor Michael Deeley se juntou ao projeto, possibilitando que a história de um caçador de androides chegasse ao cinema em 25 de junho de 1982. Ao longo de 35 anos, a primeira adaptação cinematográfica de PKD nunca foi unanimidade, mas gradualmente, o “Blade Runner” de Scott conquistou o status de clássico, apesar da resistência de alguns fãs mais exigentes.

Scott optou por não dirigir a sequência de seu próprio filme, comprometendo-se apenas com a produção executiva para garantir uma parte do orçamento multimilionário da nova versão de “Blade Runner”. Villeneuve já havia mostrado seu talento em obras como “Os Suspeitos” (2013), “O Homem Duplicado” (2013), “Sicario: Terra de Ninguém” (2015) e “A Chegada” (2016), um dos filmes mais emblemáticos do cinema do século 21. “Blade Runner 2049” estreou no Brasil em 5 de outubro de 2017, um dia antes dos Estados Unidos.

No filme, K, interpretado por Ryan Gosling, é um caçador de replicantes que também é um híbrido de humano e algoritmos. Seu principal alvo é Rick Deckard, o replicante de 1982 que sobreviveu ao tempo e às perseguições. A certeza do fim assombra K, que reflete sobre a continuidade de sua existência, assim como Deckard, interpretado por Harrison Ford, cuja presença evoca emoções profundas no público. K é constantemente acompanhado por Joi, uma namorada virtual interpretada por Ana de Armas, criada pela Wallace Corporation. Em contraste, Deckard é casado, destacando a diferença entre a realidade virtual e a vida material.

Sob a ótica do existencialismo, corrente filosófica desenvolvida por Søren Kierkegaard e popularizada por Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, a existência precede a essência. Ninguém é nada até adquirir experiência prática que o defina. K deseja ser humano, mas lhe falta humanidade, incapaz de sentir verdadeiramente. Sua lembrança de um brinquedo, um cavalinho de madeira, é o MacGuffin que dá significado a “Blade Runner 2049”.

Esteticamente, “Blade Runner 2049” é uma obra-prima. A fotografia de Roger Deakins é um dos pilares do filme, sustentando três horas de narrativa cuja mensagem ainda levará décadas para ser plenamente compreendida. A obra de Villeneuve, assim como a de Scott, é envolta numa atmosfera noir de hesitação em um mundo distópico, onde a humanidade cada vez mais aceita sua derrota. As máquinas estão vencendo. Como PKD, a pergunta persiste: vencerão definitivamente?


Filme: Blade Runner 2049
Direção: Denis Villeneuve
Ano: 2017
Gêneros: Ficção Científica/Ação
Nota: 10/10