Ganhador do Oscar 2024, superprodução acaba de estrear na Netflix e já é um dos filmes mais assistidos do mundo Divulgação / Sato Company

Ganhador do Oscar 2024, superprodução acaba de estrear na Netflix e já é um dos filmes mais assistidos do mundo

Violações dos direitos humanos vêm sob a forma de um imenso lagarto em “GodzillaMinus One”, uma digna celebração pelas sete décadas do monstro de mais personalidade do cinema. A franquia inaugurada por Ishirō Honda (1911-1993) em 1954 segue com força, capitaneada por um organismo colossal, impiedoso, cheio de vontades e, claro, assumidamente grotesco, que deixa o oceano Pacífico para atormentar um batalhão de soldados pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A insinuação um tanto oblíqua do filme de Takashi Yamazaki vai ganhando musculatura conforme Godzillaavança sobre todo o Japão, deixando as autoridades perplexas e baratinadas, até que um improvável herói resolva impor-se em sua rota de aniquilamento. O diretor e o corroteirista Takeo Murata replicam muito do que já se viu nas 37 produções que antecederam este filme, moldando a disposição dos fãs para “Godzilla e Kong: O Novo Império” (2024), de Adam Wingard, quando o escamoso se alia a um parceiro igualmente assustador numa missão quase nobre.

Godzilla esteve sob a mira do alferes Koichi Shikishima, um ex-kamikaze que volta ileso da guerra, e, uma vez mais, ele perde a chance de se tornar o salvador que a nação espera que ele seja. Todo o grupamento sucumbe à fúria de Big G, e um ano depois, em 1946, num país em escombros, uma mulher lhe faz a primeira acusação, atira-lhe ao rosto sua covardia, e também o público vai notando a ambivalência moral do personagem, sempreum tanto perdido em meio a seus desejos patrióticos e o sentimento de autopreservação.

Este é o momento em que Yamazaki passa a abordar de forma menos brumosa temas a exemplo de ultranacionalismo e xenofobia, novos e perversos tons da personalidade de Shikishima, e Ryunosuke Kamiki encarna o martírio interior de um homem sem mais ninguém no mundo, sentindo-se mesmo responsável pelo morticínio que varreu sua terra. Sua culpa pode ser aplacada, ele pensa, pelo fôlego inextinguível de ajudar os que sobraram.  

“Godzilla Minus One” elabora questões ainda menos óbvias de seu protagonista por meio de homens como Kenji Noda, o aplicado ex-engenheiro de armas vivido por Hidetaka Yoshioka, e o ex-mecânico da Marinha nipônica Sosaku Tachibana, de Munetaka Aoki. Malgrado esta seja uma história predominantemente masculina, a figura de Noriko Oishi, interpretada por Minami Hamabe, e sua filha adotiva Akiko, de Sae Nagatani, emprestam altruísmo e doçura aos guerreiros endurecidos representados por Shikishima. O gorila-baleia nunca passa de um coadjuvante de luxo, felizmente.


Filme: Godzilla Minus One
Direção: Takashi Yamazaki
Ano: 2023
Gêneros: Ação/Ficção científica
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.