O melhor filme argentino desde ‘O Segredo dos Seus Olhos’ está no Prime Video Divulgação / Prime Video

O melhor filme argentino desde ‘O Segredo dos Seus Olhos’ está no Prime Video

A política representa uma tentativa contínua de impor ordem sobre a natureza humana, que é essencialmente indisciplinada, selvagem e caótica. Sem essa intervenção, é provável que o homem moderno retornasse às barbaridades da Idade Média ou à violência rudimentar da Idade da Pedra, quando a defesa do território, das mulheres da tribo e da descendência justificava a matança. Este modelo de vida foi tão confortável que perdurou por quase três milhões de anos, até que as inevitáveis transformações, mesmo que tardias, nos atingiram.

A história, como a vida, avança lentamente e retrocede muitas vezes, em um movimento pendular que, conforme a visão de Marx, não repete os eventos e personagens mais importantes, mas segue uma ordem quase invariável. Eles emergem primeiro como tragédia e, posteriormente, como farsa, demandando respostas apropriadas não apenas de agentes públicos, mas também daqueles que, segundo a Constituição, possuem o poder para enfrentar fantasmas do passado e resolver questões pendentes.

A Argentina é um exemplo de inovação em diversas áreas, desde a abordagem dos comportamentos sexuais alternativos até a legislação sobre drogas, corrupção e aborto. Esse pioneirismo, especialmente em questões controversas, deve-se, em parte, a uma notável coragem. Nenhum outro país havia compelido líderes de ditaduras militares a enfrentarem promotores públicos e juízes civis até que, na Argentina, a voz popular começou a exigir justiça contra os antigos autocratas.

Assim como no Brasil, a ditadura argentina teve início após uma instabilidade institucional significativa com a ascensão de Isabelita Perón, que assumiu a presidência após a morte de Juan Domingo Perón. Isabelita concluiu seu mandato em 24 de março de 1976, e é provável que, influenciada pela visão política de Perón, tenha tentado organizar um autogolpe, mas os militares agiram mais rapidamente.

Santiago Mitre, pertencente a uma tradicional família argentina, evita revisitar o governo peronista e decide contar uma das narrativas mais intrigantes da política argentina. “Argentina, 1985” explora a mentalidade dos liberticidas e trata com rigor e justiça figuras como Jorge Rafael Videla, o primeiro de quatro oficiais da Junta Militar que governou o país durante um período marcado por trinta mil mortos e desaparecidos políticos.

Este número é significativamente maior do que os 434 mortos no regime militar brasileiro, que durou três vezes mais. Ainda criança quando Videla assumiu o poder, Mitre apresenta um detalhado conjunto de informações, incluindo a necessidade de cinco meses para ouvir 833 testemunhas, tornando o julgamento de Videla, Roberto Viola, Leopoldo Galtieri e Reynaldo Bignone um dos mais exaustivos já registrados.

Ricardo Darín, reconhecido no cinema argentino, interpreta Julio Cesar Strassera com a habitual dignidade, capturando a seriedade do homem que mudou a história da Argentina com os espirituosos diálogos escritos por Mitre e Mariano Llinás. Embora não seja uma solução definitiva, a Argentina, quase quatro décadas depois, continua a se encantar com líderes populistas, que, assim como nos tristes trópicos, perpetuam um ciclo de desilusão até que o povo novamente se canse.


Filme: Argentina, 1985
Direção: Santiago Mitre
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Biografia
Nota: 9/10