“Truque de Mestre” abre uma trilogia de histórias em que magia é um elemento de que não se pode abrir mão. O sortilégio do diretor Louis Leterrier é fazer o público enxergar que a justiça social às vezes requer a ação de indivíduos não exatamente alinhados ao que reza a cartilha dos valores civilizatórios — ainda que isso degringole num esfacelamento moral que, eles sabem, ninguém controla. O gosto pela mudança aflora em tempos difíceis, que por seu turno exige disposição para acatar medidas austeras. E nisso eles são muito desembaraçados.
Para os quatro cavaleiros do apocalipse deLeterrier, mágica, dinheiro, sexo são braços de um mesmo monstro. Os sentimentos ocultos e mais espinhosos da alma de alguém são atingidos por crimes comuns, desejo e uma habilidade sobrenatural quanto a manipular as emoções alheias. As cenas feéricas apresentadas pelo roteiro de Boaz Yakin, Ed Solomon e Edward Ricourtsituam a audiência no universo sibilino de um prestidigitador de nome empolado que impressiona uma moça incauta, gancho de que Leterrier se utiliza para chegar ao quarteto fantástico da trama.
Jesse Eisenberg é, decerto, o mestre de cerimônia de uma sessão de hipnose que se prolonga para muito além do que se pode vislumbrar, malgrado seu J.Daniel Atlas vá sempre perder em carisma e humor genuíno para Merritt McKinney, o mentalista vivido com a graça habitual por Woody Harrelson. Neste segmento, não resta a Dave Franco muito tempo para elaborar seu personagem como seria necessário, mas seu Jack Wilder é decerto o mais ingênuo da turma, usando seus dons com a única ambição de garantir o pão de cada dia.
Isla Fisher é hábil em fazer com que Henley Reeves seja mais que a assistente bonita de mágicos egocêntricos, dobrando feministas já prontas a babar seu ódio gratuito e levando a personagem a crescer e se distinguir entre os marmanjos, até mesmo nas performances jogralescas dos quatro. Esse respiro cômico inesperado e bem-vindo encerra um primeiro ato pleno das oscilações que conduzem a narrativa a um suspense caudaloso, mas preciso, marcado por mais tipos exóticos.
O show de Morgan Freeman e Michael Caine duelando numa das raras externas rodadas em Las Vegas, não nos arredores de um cassino ou de uma capela de casamentos instantâneos, mas numa barraca de artigos esotéricos, já faria “Truque de Mestre” valer a pena. Tão obscuro quanto envolvente, Thaddeus Bradley confronta Arthur Tressler, e o cinema se engrandece com esse momento luminoso, uma vez que não se chega à nenhuma conclusão quanto a saber qual deles fica com a preferência de quem assiste. Em outro diapasão e numa medida diversa, os investigadores Dylan Rhodes e Alma Drey, de Mark Ruffalo e Mélanie Laurent, personificam a lei — e, quem sabe, o amor ideal, aquele que jamais se consuma — até os derradeiros quinze minutos: é quando Rhodes despeja sobre a personagem de Laurent uma revelação nada sedutora.
A versatilidade de Leterrier, responsável por fazer de Jason Statham um astro do cinema macho com megaproduções feito “Carga Explosiva” (2002), soma-se ao elenco afinado numa história grandiloquente, mas sem excessos, e coroa “Truque de Mestre” como um filme acelerado e meio insano, em que a loucura é parceira do método. Quando acaba, ninguém deixa de lamentar.
Filme: Truque de Mestre
Direção: Louis Leterrier
Ano: 2013
Gênero: Thriller
Nota: 9/10