Em cada trabalho, Baz Luhrmann consegue achar um veio de glamour por onde desliza um rio de cor e brilho — a despeito da seriedade do assunto que esgrima. Ao falar de um garoto branco do Mississíppi que vira o rei do ritmo graças a um empresário de temperamento errático, fez de “Elvis” (2022) uma cinebiografia extravagante, plena das composições grandiloquentes que já se tornaram uma sua marca registrada.
Retrocedendo-se duas décadas, “Moulin Rouge” (2001) foi uma declaração de amor ao submundo encantado da Paris do fim do século 19, e entre os dois “O Grande Gatsby” é como um retrato satírico da ascensão de certa elite americana, sete anos antes da quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 29 de outubro de 1929, crise que só foi acabar passados doze anos, em 1941. Malgrado o romance de F. Scott Fitzgerald (1896-1940), publicado em 1925, já tivesse chegado à tela em outras duas circunstâncias, em 1949, pelas mãos de Elliott Nugent (1896-1980), e em 1974, sob o comando de Jack Clayton (1921-1995), Luhrmann vence a resistência ao tirar do roteiro, escrito com Craig Pearce, seu colaborador em “Elvis”, uma história tão delirante quanto as primeiras, porém, auxiliado pela tecnologia, ainda mais feérica.
Emplenavigênciada Lei Seca, os grã-finos continuam a dar intermináveis rega-bofes regadas a champanhe e uísque legítimos, muito mais baratos que antes da proibição. Essa é uma das memórias que sobem das profundezas do espírito de Nick Carraway, que registra suas vivências num diário como parte da terapia a que se submete num sanatório em Perkins, Oklahoma, no Meio-Oeste dos Estados Unidos, e o espectador nunca sabe ao certo quanto pode haver de verdade em seu relato. Em 1925, Carraway fora morar quase por acidente em Long Island, uma colônia de férias para os ricaços da América, espremido entre as mansões de industriais e playboys. Aos poucos, o diretor saca da cartola as sequências de odes dionisíacas que ilustram boa parte do filme e arrebatam a simpatia de quem assiste, até que todo aquele carnaval pareça deixar de fazer sentido.
Na pele de Carraway, Tobey Maguire domina o primeiro ato, quando seu personagem desce a lugares desconhecidos quiçá por ele mesmo para descrever em generosa medida o porquê de seu envolvimento com indivíduos de um estrato social tão distante de sua origem. Mas quando surge Jay Gatsby, o palco fica pequeno demais para os dois, e Leonardo DiCaprio passa a explicar sozinho os pesares por trás dos prazeres do grupo que representa como um embaixador, sem esquecer de galvanizar o ranço de preconceito e alienação, seus e de seus pares. Mecanismo pelo qual garante a perpetuação da espécie, num baile sem hora para acabar, cheio de gente vazia. Uma gente que nos faz ter certeza de que a vida definitivamente não é uma festa.
Filme: O Grande Gatsby
Direção: Baz Luhrmann
Ano: 2013
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10