A ficção científica que vai fazer sua cabeça bugar, no Prime Video Divulgação / Fantastic Films

A ficção científica que vai fazer sua cabeça bugar, no Prime Video

O cineasta irlandês Lorcan Finnegan dirigiu e coescreveu “Viveiro” junto com Garret Shanley. A inspiração para a história veio após Finnegan assistir a um documentário sobre cucos, aves notórias por botarem seus ovos em ninhos de outras aves, que acabam cuidando dos filhotes de cucos como se fossem seus. Esse comportamento, conhecido como parasitismo de ninhada, é peculiar e cruel, pois os filhotes de cuco, ao nascerem, frequentemente empurram os outros filhotes para fora do ninho, garantindo assim a sua sobrevivência. Além disso, esses filhotes imitam os comportamentos dos cuidadores, adaptando-se facilmente ao ambiente. Fascinado por essas características, Finnegan decidiu explorar um paralelo entre a vida animal e a humana, criando uma realidade simulada onde os personagens experimentassem uma situação similar à das aves cujos ninhos são invadidos pelos cucos.

Na trama, Gemma (Imogen Poots) e Tom (Jesse Eisenberg) são um casal à procura de uma casa para comprar. Durante uma visita a uma imobiliária, eles veem maquetes de um novo conjunto habitacional e são convencidos pelo estranho agente Martin (Jonathan Aris) a visitar uma das casas. Martin os leva à casa número 9, em um extenso condomínio suburbano onde todas as residências são idênticas e entediantes. Tanto o local quanto Martin são estranhos o suficiente para que Gemma e Tom queiram sair dali o mais rápido possível. No entanto, enquanto exploram a casa, Martin desaparece. Aliviados, eles tentam deixar o condomínio, mas descobrem que, não importa o caminho que escolham, sempre acabam de volta à casa número 9.

Com o cair da noite, e sem combustível no carro de tanto dirigirem em círculos, Gemma e Tom se veem obrigados a voltar para a casa. Dentro, encontram uma cesta de morangos e uma garrafa de espumante que Martin havia deixado, mas os alimentos não têm sabor. Eles acabam dormindo na casa. No dia seguinte, Tom sobe no telhado e percebe que não há nada além de uma infinidade de casas idênticas. Parece não haver escapatória.

A situação se torna ainda mais estranha quando uma caixa de mantimentos é deixada na porta da casa 9, sugerindo que alguém os está observando. Desesperado, Tom decide incendiar a casa. Para seu espanto, no dia seguinte, a casa está completamente restaurada, como se nada tivesse acontecido. Outra caixa é deixada, desta vez com um bebê dentro, e a mensagem: “Criem o bebê e serão libertos”.

O bebê cresce a uma velocidade anormal, e em apenas 98 dias já é um garoto. Claramente não humano, Tom tenta se livrar da criança, mas Gemma, contra sua vontade, acaba protegendo o menino. Conforme o garoto cresce, ele se torna cada vez mais estranho e traiçoeiro, frequentemente saindo e voltando com um livro misterioso contendo escritas e desenhos que parecem estudar o comportamento humano.

À medida que o tempo passa, a presença do menino se torna um risco para a segurança de Gemma e Tom. A esperança de serem resgatados de seu cativeiro se torna cada vez mais remota. O filme de Finnegan, ao traçar um paralelo entre humanos e animais, revela-se também um estudo da sociedade. Ele abre espaço para reflexões profundas sobre a vida moderna, onde frequentemente seguimos objetivos sociais preestabelecidos, levando vidas vazias, presos em uma rotina insuportavelmente entediante e sem sentido.

“Viveiro” é uma alegoria sombria e incisiva da vida suburbana e das expectativas sociais. O isolamento e a monotonia que Gemma e Tom experimentam no condomínio são uma metáfora poderosa para a conformidade e a alienação que muitas pessoas sentem em suas vidas cotidianas. O casal, inicialmente em busca de uma vida idealizada representada pela casa perfeita, rapidamente se vê preso em um ciclo de desesperança e repetição, uma crítica à busca incessante por uma felicidade artificialmente construída.

A criança que cresce a uma velocidade anormal representa a pressão e a velocidade com que a sociedade exige que as pessoas se adaptem e se conformem. Tom, em particular, simboliza a resistência a essa pressão, mas também a desesperança que surge quando percebe que não há saída fácil. Sua tentativa de destruir a casa é uma metáfora para a rebelião contra a conformidade, mas a restauração instantânea da casa ilustra a resiliência das estruturas sociais e culturais que nos aprisionam.

A relação entre Gemma e o menino é central para a narrativa, destacando a ambiguidade moral e emocional de criar algo que é ao mesmo tempo familiar e totalmente alienígena. A proteção que Gemma oferece ao menino, apesar de sua natureza inumana, reflete a complexidade das relações humanas e o instinto de cuidar e proteger, mesmo quando isso vai contra a lógica ou a segurança pessoal. Este aspecto do filme sublinha a natureza paradoxal do amor e da responsabilidade, desafiando as expectativas tradicionais de família e criação.

O livro misterioso que o menino traz consigo simboliza o conhecimento e a observação que ele tem sobre os humanos, sugerindo que ele, e aqueles que controlam o ambiente, veem Gemma e Tom como sujeitos de um experimento. Esse elemento adiciona uma camada de inquietação e paranoia, sugerindo uma vigilância constante e um estudo meticuloso do comportamento humano. É uma crítica à invasão de privacidade e ao controle social que se tornaram comuns na era digital.

O ambiente do filme, com suas casas idênticas e ruas sem saída, é uma representação visual do aprisionamento psicológico e físico que os personagens experimentam. A arquitetura e o design do condomínio refletem a falta de individualidade e a uniformidade opressiva que caracteriza muitas áreas suburbanas modernas. Finnegan utiliza essas imagens para enfatizar o tema do confinamento e da perda de identidade.

“Viveiro” também explora a ideia de parasitismo de uma forma que transcende o biológico, sugerindo que a própria sociedade pode atuar como um parasita, drenando a vitalidade e a individualidade das pessoas. A forma como Gemma e Tom são manipulados e controlados no condomínio serve como uma metáfora para a maneira como as instituições e normas sociais podem controlar e limitar a liberdade pessoal.

A conclusão do filme, com a perspectiva sombria de que não há verdadeira libertação do ciclo em que Gemma e Tom se encontram, reforça a crítica à estrutura social moderna. O final aberto e ambíguo deixa o público com uma sensação de inquietação e reflexão sobre suas próprias vidas e as estruturas que as governam.

“Viveiro”, no Prime Video, é uma exploração profunda e perturbadora das pressões sociais, da conformidade e da alienação. Ao utilizar uma narrativa de ficção científica com elementos de horror psicológico, Lorcan Finnegan cria uma obra que é ao mesmo tempo um comentário social incisivo e uma experiência cinematográfica envolvente. O filme desafia o espectador a refletir sobre o que significa viver em uma sociedade onde a individualidade é sacrificada em nome da normalidade e da conformidade.


Filme: Viveiro
Direção: Locarn Finnegan
Ano: 2019
Gênero: Terror/Mistério/Ficção Científica
Nota: 9/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.