Um dos filmes mais caros da história do cinema francês está na Netflix Distribuição / Pathé Films

Um dos filmes mais caros da história do cinema francês está na Netflix

Os conflitos entre Roma e a área compreendida entre a península da Bretanha e o território entre os rios Sena e Loire, incluindo-se também uma parte do interior da França, ficaram para trás há mais de dois milênios, porém o que se depreende de “Asterix e Obelix no Reino do Meio” e da paixão com que o diretor Guillaume Canet leva o filme é que a qualquer momento o tempo vai retroceder àquela era de instabilidade e batalhas cruentas e esses dois tipos tão folclóricos hão de ser úteis à civilização novamente. Canet o diz com a certeza de quem conhece seus protagonistas desde criança, e, talvez por isso, empenhe-se tanto por preservar sua natureza épica, criando uma aventura que na verdadeira História decerto teria sido bastante improvável. 

Sessenta e cinco anos depois, Asterix, o mais famoso guerreiro da Armórica, norte da antiga Gália, continua a juntar-se a Obelix, um tipo que junta força e poderes mágicos para defender sua terra da dominação romana. Publicados pela primeira vez em 1959, foram necessárias quatro décadas até que surgisse “Asterix e Obelix contra César” (1999), dirigido por Claude Zidi, e agora, em “Asterix e Obelix no Reino do Meio”, essa dupla de personagens tão longevos e queridos da cultura pop zelam por sua vida pacata, caçando os javalis que devoram — este com muito mais frequência que aquele, diga-se — entre hectolitros de cerveja e doses da poção mágica que os distingue dos outros.

O Império Romano avança sobre todo o mundo antigo, informa o narrador Gérard Darmon, para em seguida retificar que um vilarejo gaulês resiste à ofensiva de Júlio César (100 a.C. – 44 a.C.). É a aldeia onde os dois recebem da vida tudo quanto poderiam querer e, aos poucos, Canet dispõe em seu roteiro, escrito em parceria com Julien Hervé e Philippe Mechelen, os detalhes que tratam dos planos do ditador acerca da invasão do Reino do Meio, a China, em 50 a.C., depois que So Hi — o nome de quase todos os personagens orientais resultam em trocadilhos ora irônicos, ora fesceninos; às vezes engraçados, às vezes nem tanto —, a imperatriz emburrada de Linh-Dan Pham, é destituída e presa no golpe de Estado conduzido pelo príncipe Deng Tsin Quin, de Bun Hay Mean.

Numa fuga bem ao gosto desses enredos, a princesa Fu Yi, vivida por Julie Chen, livra-se dos desmandos do novo déspota e com Tat Han, a ordenança real, de Leanna Chea, desembarca em terras gálicas, ansiando que, com a ajuda de seus cidadãos mais nobres, seja capaz de resgatar a mãe e ter de volta a liderança sobre seu povo.

Na pele de Asterix, o próprio Canet desenvolve a ideia central, sem esquecer de respiros cômicos de outra natureza, a exemplo das sequências em que o César de Vincent Cassel e Cleópatra (69 a.C.–30 a.C.), a então companheira com quem divide a corte numa união nada idílica, interpretada por uma Marion Cotillard mordaz na dose certa — a esse propósito, basta dizer que a soberana do Egito troca o dono do mundo por outro homem, e não é por Marco Antônio (83 a.C.–30 a.C.) —, tecem considerações marcadas por xenofobia, misoginia e ressentimentos de parte a parte, registros que Biopix, o afetado biógrafo do imperador com que José Garcia rouba a cena, trata de eternizar.

As passagens em que o Obelix de Gilles Lellouche aparece não são das piores e têm lá sua graça, mas o filme dá a impressão de começar mesmo só na metade do segundo ato, quando o numeroso elenco reúne-se num campo e o vilão de Cassel está pronto para sujeitar o Reino do Meio a uma humilhação tanto pior que a infligida por Deng Tsin Quin, mas ele não contava, evidentemente, com os heróis dos quadrinhos criados pelo roteirista René Goscinny (1926-1977), e Albert Uderzo (1927-2020), responsável por dar a forma com que Asterix e Obelix passaram a ser conhecidos e reverenciados até hoje.

Do tumultuado desfecho aproveita-se a paródia da canção-tema de “Dirty Dancing – Ritmo Quente” (1987), de Emile Ardolino (1943-1993), encenada num final ditoso e crível ao se considerar a fantasia que resiste a seis décadas dos onipresentes efeitos especiais. “Asterix e Obelix no Reino do Meio” é um filme à velha moda.


Filme: Asterix e Obelix no Reino do Meio
Direção: Guillaume Canet
Ano: 2023
Gêneros: Aventura/Comédia
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.