Will Hunting, o personagem-título de “Gênio Indomável”, pertence àquela categoria de pessoas que batem com a cara contra o muro ou para que se convençam de que não são dotadas de toda a potência que imaginavam, ou para colocá-lo abaixo de uma vez por todas.Aqui, Gus Van Sant deixa aflorar muito de seu gosto pela experimentação, a começar pelo roteiro — um dos grandes trunfos do filme. Matt Damon e Ben Affleck, amigos desde Boston, cidade que testemunhou seu desenvolvimento físico e sua maturidade artística (e que empresta seus cenários à história), reciclam os clichês de que se serve Peter Weir em “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989), uma referência óbvia.
Há outra aula em curso numa classe avançada do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT. O dia é agradável, os estudantes não se controlam, Lambeau, o mestre vivido por Stellan Skarsgård, tenta imprimir algum método à pulsão de vida que insiste em ferver diante de seus olhos, mas o tempo acaba e ninguém apresenta sugestões para um problema sobre a teoria dos grafos, que o professor levara dois anos para solucionar.
O amontoado de números e letras derrama-se inerte pela lousa, e na manhã seguinte, a resposta brilha num mural no corredor. O herói a ter desbravado aquele cipoal de obscuras intenções não se acusa, mas Will Hunting, o zelador do câmpus, revela-se um exímio enxadrista, inclusive nas partidas que disputa com Lambeau, um sinal inequívoco do QI privilegiado do rapaz. Fora o óbvio trocadilho com o nome de seu anti-herói, Damon, num dos grandes papéis que conseguiu em Hollywood, parece finalmente disposto a dar uma guinada em sua vida, mas é traído pela índole mercurial e o fascínio pela transgressão. Ele se mete numa briga de gangues, espanca um sujeito junto com outros homens e vai preso, sem achar nisso nada de mais — ou seja,qualquer um que se arvore em seu salvador corre o risco de não terminar bem.Mesmo contra todas as evidências, Sean McGuire, um psicólogo que fora colega de Lambeau na faculdade, vence-lhe a resistência, e nesse momento, o filme passa a registrar a transformação lenta e volúvel de Hunting num giro mais e mais vertiginoso.
Ao espelhar a vivência de Damon e Affleck, dois garotos remediados de uma das cidades mais violentas da América, o personagem de Williams fomenta uma nova abordagem para “Gênio Indomável”. A volta por cima da dupla, não sem uma larga dose de autorrepressão, abafando instintos antissociais e mirando o que de fato interessava, é uma ângulo que se vai pronunciando, até que compreenda aonde a narrativa quer chegar.
Generoso, Affleck conforma-se com a função de escada, e seu Chuckie Sullivan é uma prova de que o determinismo é dos conceitos mais estúpidos que a mente humana já criou. Recentemente, voltou a ganhar força o postulado que rebaixa a meritocracia a um golpe de sorte, seja por se nascer rico ou apenas branco, sobretudo em países nos quais a sociedade se envenena com a flagrante injustiça entre indivíduos com essa ou aquela cor. “Gênio Indomável” é uma pequena contribuição do cinema a nos alertar para a insofismável verdade do livre-alvedrio. Quem quer mesmo sai das sombras e se lança aos holofotes. Nunca sem uma medida de risco.
Filme: Gênio Indomável
Direção: Gus Van Sant
Ano: 1997
Gêneros: Thriller/Romance
Nota: 8/10