O romance que a crítica odeia e o público ama, na Netflix Divulgação / Columbia Piictures

O romance que a crítica odeia e o público ama, na Netflix

Ao analisar “Encontro de Amor” além de sua camada superficial, percebemos um tecido rico em poesia e reflexões filosóficas. Por um instante, o espectador é levado a questionar o destino de uma mulher humilde e um homem influente que se encontram de maneira inesperada em um ambiente restrito, ao qual ela só tem acesso em circunstâncias muito específicas.

Esse mérito é da direção incisiva, talvez autoritária, de Wayne Wang, um sino-americano que construiu uma carreira sólida em Hollywood, transformando estereótipos, xenofobia, racismo e tradição em temas centrais para análises sociológicas profundas. Wang aborda a segregação racial nos Estados Unidos com uma sensibilidade que revela camadas sombrias além daquelas observáveis no Brasil, explorando detalhes ainda mais inquietantes.

O amor, sentimento profundamente humano e puro, torna-se uma espécie de maldição para duas pessoas que, em vez de seguir os caminhos predestinados, ousam desafiá-los, sem perceber plenamente as consequências práticas de suas ações.

Uma visão aérea de Nova York insere o público na vida cotidiana da área mais pobre de Manhattan, onde linhas de metrô chegam e partem constantemente, escadarias intermináveis separam edifícios de tijolos aparentes e tênis pendurados nos fios elétricos simbolizam a luta pela sobrevivência.

Dentro de um desses prédios, Marisa Ventura se prepara para mais um dia de trabalho enquanto tenta manter a calma com seu filho Ty, cuja inteligência acima da média ela estimula da melhor maneira possível. Jennifer Lopez e Tyler Garcia Posey protagonizam cenas encantadoras em um filme que desafia as emoções dos espectadores.

A caminho da escola, conversam sobre uma apresentação para a qual Ty se preparou durante todo o verão. Ele pergunta se o pai, ausente do roteiro de John Hughes e Kevin Wade, comparecerá ao evento, e Marisa, embora tranquila, já prevê outra decepção para o filho. Após se despedirem, o diretor detalha a rotina de Marisa, que chega ao Beresford, no lado oeste do Central Park, pela entrada dos funcionários.

No vestiário, ela troca de roupa, escuta as fofocas das colegas e se dirige à sala de segurança chefiada por Keef Townsend, interpretado por Lou Ferguson, onde se diverte com as imagens do circuito interno, incluindo a agonia de um hóspede expulso pela esposa.

Essa abordagem quase antropológica do funcionamento de um grande hotel já justificaria os 105 minutos de exibição. No entanto, a reviravolta que Hughes e Wade inserem no início do terceiro ato torna a narrativa ainda mais atraente. Christopher Marshall, um deputado em campanha para uma nova posição no Congresso, chega com seu dogue alemão e seu assessor Jerry Siegel, interpretado por Stanley Tucci, enquanto enfrenta o fim de um noivado com a modelo holandesa Daniella van Graas.

A partir desse ponto, assim como fez com a personagem de Lopez, Wang delineia Marshall, um jovem político obstinado e modernista, mas também um notório cafajeste. Ralph Fiennes, em uma de suas melhores atuações, navega com facilidade entre o lado vilanesco de Marshall e seu momento de introspecção, quando percebe que nenhuma das inúmeras mulheres com quem se envolveu conseguiu despertar seu verdadeiro amor.

Wang não perde o fio da trama e, de forma ousada, introduz Caroline Lane, mais uma personagem feminina com quem Marshall está farto. Natasha Richardson (1963-2009) traz um alívio cômico eficaz, apesar da confusão farsesca de Marshall, que não distingue a loira da morena Marisa, tornada invisível pelo uniforme.

O epílogo retorna à tese fatalista de que as circunstâncias e o meio em que nascemos moldam nosso destino. Veronica, a mãe meio bruxa de Marisa, aparece para reafirmar que é um absurdo a filha querer mais do que limpar quartos, especialmente após ser demitida e recusar a ajuda da senhorita Rodríguez, a quem deve favores.

Priscilla Lopez e Bob Hoskins (1942-2014) fazem participações breves, mas carregadas de simbolismo. Hoskins, como o mordomo Lionel Bloch, é a encarnação da dignidade, contrastando com a amargura de Veronica. Wang decide terminar “Encontro de Amor”, na Netflix, exaltando o romance entre Marisa Ventura e Christopher Marshall, apesar de todos sabermos que, na realidade, a expectativa de um final feliz é ingênua. Contudo, o cinema também existe para nos permitir sonhar.


Filme: Encontro de Amor
Direção: Wayne Wang
Ano: 2002
Gêneros: Romance/Comédia
Nota: 9/10