Digno de Oscar, o melhor filme espanhol dos últimos 3 anos está na Netflix

Digno de Oscar, o melhor filme espanhol dos últimos 3 anos está na Netflix

O gênero coming-of-age, por definição, costuma ser aquele com o qual os espectadores mais se identificam, pois todos passamos pela adolescência. Esta fase da vida é inevitável e frequentemente marcada por nossos maiores erros, resultantes da inexperiência e da falta de maturidade, bem como por conflitos com pais, amigos e o mundo em geral. Dito isso, é essencial considerar que existem diversas formas de atravessar essa fase tumultuada, na qual se ouve repetidamente que já não somos crianças, mas ainda não somos adultos.

Nelson Rodrigues (1912-1980) e Pablo Picasso (1891-1973) estavam corretos ao afirmar, cada um a seu modo, que a juventude é um presente envenenado da vida. Com base no argumento do trauma da rejeição, superado da pior maneira possível, o diretor Daniel Morzón coloca no centro de “As Leis da Fronteira” (2020) o debate sobre a inadequação juvenil.

Adaptado do romance homônimo de Javier Cercas, publicado em 2012, o filme de Morzón segue a trajetória de Ignácio Cañas, também conhecido como Nacho (ou Oclinhos), um jovem de 17 anos que enfrenta a dificuldade de ser como os outros, enquanto também não consegue afirmar sua própria identidade. Nacho parece resignado à ideia de ser um alvo fácil até que passe o tempo necessário para ser considerado um homem. Em meio ao turbilhão de sentimentos, ele encontra um suposto anjo protetor e uma garota por quem se apaixona perdidamente pela primeira vez, enquanto trabalhava em um fliperama no final dos anos 1970.

Nacho, Zarco e Tere, interpretados por Marcos Ruiz, Chechu Salgado e Begoña Vargas, conduzem a narrativa de forma eficaz, com destaque para a performance de Ruiz, que traz as nuances necessárias para um personagem complexo como Nacho. Não é difícil identificar o momento exato em que Nacho decide interromper a rotina de humilhações — como em uma das cenas iniciais do filme, em que ele prefere não revelar por que estava se afogando — e se juntar à gangue liderada por Zarco, da qual Tere também faz parte.

Delinquente experiente de Chinatown, o subúrbio barra-pesada de Girona, na Catalunha, Nacho agora goza da proteção do bando enquanto inicia uma carreira criminosa, envolvendo-se com drogas e perdendo a virgindade com Tere, namorada de Zarco. Este ponto marca o início do arco dramático mais interessante de “As Leis da Fronteira”, com Zarco se mostrando desconcertantemente à vontade diante da aproximação de sua parceira com o novo fora-da-lei.

O subgênero quinquillero, ou quinqui, espanhol, celebrado por enredos focados em ações criminosas, foi bastante popular entre as décadas de 1970 e 1980, cenário do roteiro de Jorge Guerricaechevarría, também autor de “O Bar” (2017), dirigido por Álex de la Iglesia. Assim como no suspense com humor negro de 2017, em “As Leis da Fronteira” o trabalho de Guerricaechevarría se destaca por uma narrativa bem estruturada, sem variações de ritmo, onde todos os personagens — inclusive os numerosos coadjuvantes — têm espaço para se desenvolver.

 A Espanha, ainda em transição após o longo regime ditatorial de Francisco Franco (1892-1975), é retratada, assim como Nacho, como um país em busca de identidade, onde a polícia não hesitava em usar tortura para obter confissões, como acontece com Piernas, personagem de Daniel Ibañez, outro delinquente liderado por Zarco.

O reencontro dos três protagonistas, cerca de um ano após a prisão de Zarco — momento em que a maquiagem, um dos grandes defeitos técnicos de “As Leis da Fronteira”, se torna evidente —, ilustra que a juventude nem sempre é tão gloriosa quanto se canta. Especialmente quando não se tem pais atentos e bem conectados no mundo regido por homens nada ingênuos.


Filme: As Leis da Fronteira
Direção: Daniel Monzón
Ano: 2021
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10