O tempo que passa não garante nada. Sócrates (470 a.C.-399 a.C) foi quem primeiramente observou a inutilidade da velhice ao afirmar que, com o passar dos anos, o homem sensato percebe cada vez mais sua profunda ignorância. Sem a energia de outrora, torna-se difícil reacender a chama da curiosidade e aprimorar o espírito. A morte ronda a humanidade como moscas em um doce amargo, e antes dela, o acaso se apresenta sem cerimônia a pessoas de todas as culturas.
Diariamente, lidamos com o acaso, tentando escapar de suas armadilhas, mas também usufruindo de seus momentos de indulgência que justificam toda uma vida. O maior risco da juventude talvez seja justamente esse: identificar, muitas vezes em um instante, quando o inesperado da vida está a nosso favor ou quando se disfarça com a ilusão para nos derrubar.
Wanuri Kahiu, cineasta queniana, ganhou destaque mundial com “From a Whisper” (2009), vencendo cinco categorias no African Movie Academy Award, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor. Em “Como Seria Se…?” (2022), Kahiu solidifica seu talento com uma história sobre as peripécias de uma mulher em busca de autoconhecimento. As decisões da protagonista, embora compreensíveis, podem levar a uma angústia inevitável.
Combinando elementos de “De Caso com o Acaso” (1998), de Peter Howitt, e “Mais ou Menos Grávida” (1988), de John G. Avildsen (1935-2017), o filme de Kahiu é mais direto, com conflitos resolvidos de forma objetiva. A sensação de déjà vu é intensamente explorada, como se o público estivesse preso em um carrossel de situações repetitivas, embora o roteiro bem elaborado de April Prosser sugira a chegada de algo inesperado.
“Como Seria Se…?” é um experimento na vida de Natalie, aspirante a ilustradora e diretora de animação, interpretada com delicadeza e vigor por Lili Reinhart. No início, Natalie aparece recém-formada, fazendo planos para cinco anos no futuro. Na mesma época, após uma noite com seu melhor amigo Gabe, vivido por Danny Ramirez, ela pede para que continuem apenas amigos.
Este é o ponto de partida para que Kahiu explore o conceito de realidades paralelas: na festa de formatura, Natalie e sua amiga fiel Cara, interpretada por Aisha Dee, aguardam o resultado de um teste de gravidez. A tela se divide em duas, mostrando os possíveis destinos de Natalie: criando seu bebê sozinha após rejeitar a proposta de casamento de Gabe, morando de favor na casa dos pais, ou se mudando para Los Angeles em busca de uma aventura incerta, mas essencial para sua independência.
Em ambas as situações, Natalie enfrenta desafios com dignidade, suportando humilhações ocasionais. A vida na casa dos pais, com boas atuações de Luke Wilson e Andrea Savage, é um tormento, enquanto a aventura em Los Angeles logo se revela difícil. Em sua primeira tentativa de se integrar ao mundo fechado de Hollywood, Natalie arrisca ser barrada em uma festa, incentivada por Jake, um personagem ambíguo interpretado por David Corenswet.
A amizade e o romance entre eles se desenvolvem rapidamente. O arco dramático de Jake, assim como os de Cara e Gabe, são um pouco superficiais. Prosser foca intensamente na protagonista, exagerando os desafios de Natalie no mundo corporativo, onde é vítima de Lucy, uma cineasta abusiva interpretada por Nia Long.
O final, previsivelmente feliz, une as duas possibilidades de vida para Natalie, que se torna uma profissional bem-sucedida e fica com seu grande amor, enquanto os demais personagens desaparecem, um erro em uma narrativa que prometia diversidade. O filme possui momentos brilhantes, com referências a clássicos como “A Viagem de Chihiro” (2001), do japonês Hayao Miyazaki, que conferem alma a um produto eminentemente comercial. Algo muito maduro, como diria uma personagem de outro desenho.
Filme: Como Seria Se…?
Direção: Wanuri Kahiu
Ano: 2022
Gêneros: Comédia/Drama/Romance
Nota: 8/10