11 de junho de 1981. Renée Hartevelt, uma jovem holandesa de 25 anos, recebe um convite de seu colega de classe em Sorbonne, Issei Sagawa, para ir à sua casa ajudá-lo com um inexistente trabalho de faculdade (ele inventou que seu professor havia pedido a gravação da leitura de alguns poemas no original em alemão, idioma que Renée era fluente). Ela aceita. Ao chegar no apartamento, os dois estudantes de literatura comparada conversam enquanto bebem chá e uísque. Tudo parece normal. Depois, Sagawa liga o gravador e pede que Renée comece a ler o poema. Enquanto ela declama os versos expressionistas num alemão perfeito, Sagawa, que está atrás dela, alcança o armário e tira de lá um rifle de caça. Ele se aproxima devagar, mira na cabeça de Renée e puxa o gatilho.
O corpo da jovem despenca da cadeira. Sagawa a despe e… Vou poupar o leitor dos detalhes mórbidos (ou pelo menos da maioria deles), não quero encharcar com sangue os olhos de ninguém. Em apartada síntese — para usar uma expressão horrível do meio forense —, ele bem que tenta comer o cadáver de Renée, mas não consegue. É mais duro do que ele pensava. O assassino então vai ao mercado e compra uma faca de açougueiro, daquelas com a lâmina curva. Equipado com a ferramenta certa, ele consegue dar vazão ao seu impulso demoníaco. Mas Sagawa não consome tudo de uma vez. Depois da primeira sessão de canibalismo, ele embala as sobras em plástico filme e guarda tudo no freezer.
Junho é um mês quente em Paris. Sagawa temia que o calor acelerasse o processo de decomposição e, consequentemente, acentuasse o cheiro do cadáver (isto é, do que sobrou dele), o que poderia chamar a atenção de algum vizinho. Para se prevenir, ele corta o corpo em pequenos pedaços e os deposita em duas malas de viagem. Sagawa leva o cadáver até o parque “Bois de Boulogne” — o local em que Santos Dumont fez as primeiras experiências com o 14-Bis — com a intenção de descartá-lo no lago, mas, chegando lá, ele percebe que o dia ainda está muito claro, mesmo já sendo oito horas da noite. Muitas pessoas estavam deitadas na grama aguardando o pôr do sol. Com duas malas de viagem, ele naturalmente se torna um foco de atenção. Apesar disso, ele arrasta as malas até a beira do lago.
Quando o Sol começa a se pôr, Sagawa fica hipnotizado pela beleza do céu avermelhado refletido nas águas do lago de “Bois de Boulogne”. Ele podia ser um assassino sanguinário, mas ainda tinha alguma sensibilidade poética (até Hannibal apreciava Bach).
Enquanto o assassino experimentava esse estado de êxtase, um transeunte alcança uma de suas malas. Pergunta-lhe:
— É do senhor?
— Não… — Sagawa responde instintivamente.
Ao abri-la, o homem descobre os pedaços do cadáver dilacerado. Aponta para Sagawa e começa a gritar:
— Assassino! Assassino!
O autor do crime sai correndo. Quatro dias depois, é preso em seu apartamento pela polícia francesa. Após alguns dias encarcerado, três psiquiatras forenses o avaliam e concluem que é um caso evidente de insanidade mental. Sagawa é transferido para um hospital de custódia. Passa quatro anos lá até o dia em que as autoridades francesas concluíram que o seu “tratamento” estava saindo caro demais. Por consequência, Sagawa é deportado para o Japão.
A história fica progressivamente mais inacreditável. Como na ordem de deportação não havia nada que indicasse que ele deveria ser mantido preso em uma cadeia ou em um hospital de custódia, criou-se uma espécie de limbo jurídico. Assim, pouco tempo depois de aterrissar na Terra do Sol Nascente, Sagawa é submetido a uma nova avaliação psiquiátrica, dessa vez por uma equipe de médicos japoneses. Concluem que ele não é mentalmente insano, sofre “apenas” de uma desordem de personalidade, nada com que deva se preocupar. Consequentemente, como ele não é considerado insano e não há ordem de prisão, é colocado em liberdade em 12 de agosto de 1986.
Depois disso, Sagawa vira uma espécie de subcelebridade no Japão. Escreve mais de vinte livros (em vários deles descreve em detalhes o seu ato infame), pinta quadros de gosto questionável (arrematados em leilões), concede entrevistas, faz aparições em documentários e até estrela filmes (inclusive, um pornô). Segundo relatou no documentário de Santiago Stelley, “Interview with a Cannibal” (2010), muitas pessoas o abordam na rua para pedir que ele autografe um dos livros que contém as fotos reais do crime. Ele as classificou como “estúpidas”.
Revelando mais lucidez do que todo o sistema de justiça criminal do Japão, Sagawa confessou no documentário que teme os seus impulsos canibais e que ele deveria ter recebido a pena de morte.
Morreu de pneumonia aos 73 anos, em 24 de novembro de 2022, mais de 40 anos depois do assassinato de Renée Hartevelt.