Os orelhões ainda existem

Os orelhões ainda existem

 Quando eu era jovem, não havia celular. Eu viajava e passava dias sem dar notícias para os meus pais. Depois de quase uma semana de viagem, se eu achasse um orelhão que funcionasse, se tivesse a sorte de ter fichas telefônicas e se lembrasse da existência dos meus pais, aí eu ligava para casa para dar notícias. E a ligação era bem curta, praticamente só dava tempo para os meus pais reclamarem da falta de notícias e… a ligação caia.

            Hoje tudo mudou.  Agora existe celular. Se antigamente o pai não tinha como se comunicar com os filhos, agora ele tem. Mas como o pai é moderno e não quer ficar ligando para a filha, pagando mico de pai controlador, o que ele faz é passar uma mensagem por whatsapp. Funciona assim: 

            A filha viajou para passar o feriadão fora. O pai manda uma mensagem no whatsapp:

            “Oi filha tudo bem?”

            O que o pai espera que a filha responda?

            Onde ela está. O que está fazendo. Com quem ela está. Se ela já fez algum passeio. Se ela dormiu bem. Se sentiu frio. Se sentiu calor.  Se está comendo bem.  O que ela está comendo. Se ela está com o namorado. Se o namorado é um cara legal. Se a galera anda bebendo. Se ela está gastando muito dinheiro. Se precisa de dinheiro. Se perdeu o dinheiro. Tudo isso e mais qualquer outra coisa que a filha queira contar. O pai também gostaria que ela encerrasse a mensagem com um “eu te amo muito, pai. Tô morrendo de saudades” ou algo parecido. 

            E qual é resposta da filha?

            Depois de várias horas, ela manda a seguinte mensagem: 

            “Aham”.

            Essa é a resposta. No caso, essa é a resposta de uma filha muito ligada ao pai, afinal ela usou quatro letras para responder. Outras poderiam responder com apenas um “s”, que significa sim ou, pior, um “n” que significa não, mas sem explicar por que não está tudo bem. Outras ainda podem responder com um daqueles desenhinhos, os emojis, que o pai pode interpretar como quiser.

            Resumindo: Os orelhões ainda existem, mas hoje em dia se chamam whatsapp e os filhos continuam sem fichas para ligar.