Thriller que acaba de chegar à Netflix vai fazer você se sentir preso dentro de seu pior pesadelo Divulgação / Media in Sync

Thriller que acaba de chegar à Netflix vai fazer você se sentir preso dentro de seu pior pesadelo

“Sangue Frio” é um passeio por regiões gélidas da alma humana, lugares de que não se volta do mesmo jeito, e pode-se até não sair nunca mais. É no espírito do homem onde estão as melhores intenções e as perversidades mais abjetas de que alguém pode ser capaz, como diz Ana, a sofredora anti-heroína de Nina Bergman, embora ela saiba que há quem tenha uma aptidão inata e exclusiva para o mal.

O filme de Sébastien Drouin resgata lugares-comuns de franquias como “Busca Implacável” (2008-2014), apostando no carisma do elenco a fim de tornar estimulante uma história que se equilibra entre o nonsense de seu torvelinho de reviravoltas e a exploração dos aspectos quase banais que compõem os personagens, figuras malditas cada qual com sua dor.

A fotografia de Ryan Petey, carregando nos tons pastéis e esmaecidos, aprisiona o espectador naquele cenário de neve onde, como Ana trata de avisar, tudo é uma grande farsa, durante a qual ela se empenha para sobreviver, primeiro a um ex-companheiro abusivo, depois a um salvador ainda mais infesto. Drouin e os corroteiristas Andrew Desmond e James Kermack conduzem a narrativa por um desfile de situações improváveis, mas só até que as máscaras caiam.

Numa lanchonete à beira da estrada na qual Ana serve mesas, David chega já depois da cozinha ter terminado o expediente. Ela oferece-lhe café e uma fatia da “lendária” torta de maçã que eles preparam, eles conversam um pouco e o que parece um flerte é interrompido por Vincent, o ex da moça, que surge, bêbado e furioso, exigindo satisfações quanto a não poder visitar o filho deles. Nesse primeiro contato do público com a história, o diretor tira o que pode desse núcleo, fornecendo pistas para onde o enredo pode andar.

Na pele de Vincent, Yan Tual mostra segurança ao botar para fora o desespero contido de um sujeito que pode ter sido um pai amoroso e um marido devotado antes que o alcoolismo o tomasse. David ouve a contenda dos dois sem esboçar reação, mas se manifesta quando o homem vai para cima dela.

Allen Leech impressiona, mormente se se compara essa participação inicial com o monstro em que David se transforma, depois de perseguido por seu antípoda involuntário. Ele deixa Vincent para trás, e pouco depois de bater contra uma árvore, Drouin revela o mistério que desencadeia uma pletora de outros episódios surpreendentes, inclusive dedicando boa parte dos 88 minutos a uma criatura algo mitológica, que habita as montanhas da região e se alimenta da carne daqueles que fazem mal a seus semelhantes.

Em meio a um fabuloso ramerrão de mesmices, “Sangue Frio”, mesmo nem sempre original, oxigena um tanto essa categoria de suspenses que evoluem na imensidão branca e azul da neve. A virada de Ana, emergindo do cativeiro em que fora aprisionada para investir da atmosfera de senhora da liberdade e da própria vida é uma metáfora que vai calando fundo, remetendo a livre-arbítrio, sorte, azar, fatalidades, a despeito do componente místico de que se lança mão a certa altura. Em especial, no desfecho, quando vislumbra-se uma razão para se acreditar em milagres.


Filme: Sangue Frio
Direção: Sébastien Drouin
Ano: 2023
Gêneros: Terror/Suspense
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.