Hoje, passado quase meio século de sua morte, Elvis Presley (1935-1977) talvez não viesse nunca a se tornar a estrela mais brilhante do mundo do entretenimento. Elvis teria sido patrulhado por ser branco, por “querer ser preto”, por mexer os quadris, por não permitir ser rotulado. “Elvis”, a cinebiografia extravagante de Baz Luhrmann, plena das composições grandiloquentes bem típicas do diretor, escolhe navegar por esses mares, disposta a vencer fortes ondas de estranheza por mostrar um lado até então bastante nebuloso da história.
A relação de Elvis e Andreas Cornelius van Kuijk (1909-1997), o coronel Tom Parker, seu empresário por mais de vinte anos, da glória ao lento ostracismo que viria a matá-lo, é descortinada pelo roteiro de Luhrmann, Sam Bromell, Jeremy Doner e Craig Pearce, uma evolução gradual, porém metódica, de conflitos e dos personagens que deles fazem parte. Este é um conto de fadas pós-moderno, muito ao gosto do que o diretor apresenta em seu trabalhos, a exemplo do que se assiste em “Moulin Rouge – Amor em Vermelho” (2001): as mesmas luzes, cores gritantes e gente talentosa lutando por ser notada, o que nem sempre acontece do jeito certo.
Elvis é mostrado percorrendo os quase três quilômetros da rua Beale, no centro de Memphis, Tennessee, entoando os versos de“That’s Alright Mama” (1956), até que Parker surge em cena a fim de esclarecer como conhecera aquele que seria sua mina de ouro pelas próximas duas décadas. O empresário está num quarto de hospital em Las Vegas quando começa a lembrar de quando ouviu Elvis pela primeira vez, num programa de calouros transmitido por uma rádio do Meio-Leste, bem na hora em que já pensava em substituir Hank Snow (1914-1999), o decadente cantor country vivido por David Wenham.
A narrativa volta ao Tennessee, de onde não deveria sair nunca, e Luhrmann faz com que o longa desfile pelas saborosas apresentações de Big Mama Thornton (1926-1984), com “Hound Dog” (1956), e B.B. King (1925-2015), com Shonka Dukureh e Kelvin Harrison Jr. em cenas que, mais que abrir o apetite do público, apontam para a sofisticação instintiva de Elvis. Ainda que assumidamente maximalista, Tom Hanks corta um dobrado para conferir algum senso de realidade a Parker.
É possível notá-lo quase imóvel em muitas ocasiões, talvez pelo excesso de próteses, inclusive faciais, quando seu rosto tão vivaz sempre foi a grande marca de seu desempenho. Muito mais sorte, sem dúvida, tem Austin Butler, magnético e à vontade para usar seu corpo e, o principal, seu rosto para materializar as emoções controversas de um garoto de pele rosada e um belo par de olhos azuis que invade um território que não era o seu, despertando paixões avassaladoras de qualquer modo. Talvez seja isso que falte nos aspirantes a celebridade de nosso tempo.
Filme: Elvis
Direção: Baz Luhrmann
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Biografia/Musical
Nota: 8/10