Drama de época que consagrou Kate Winslet e levou 5 indicações ao Oscar, na Netflix Divulgação / The Weinstein Pictures

Drama de época que consagrou Kate Winslet e levou 5 indicações ao Oscar, na Netflix

Em muitas situações, o passado se comporta como uma fera mantida em uma jaula de ouro, sendo alimentada e acalentada até que, inevitavelmente, revela sua verdadeira força. A paixão ardente de um jovem por uma mulher quase duas décadas mais velha já carrega todos os elementos para o desastre. Quando a isso se adiciona um abismo ideológico e moral, as chances de que ambos não se destruam mutuamente são mínimas.

“O Leitor” é um retrato dos conflitos entre corpo e alma, da necessidade em choque com a honra. Grosso modo, o filme é um tratado sobre a importância das escolhas que, frequentemente, se transformam em maldições persistentes sobre espíritos frágeis. A direção firme de Stephen Daldry adapta o romance homônimo do alemão Bernhard Schlink, publicado em 1995, para criar um drama de guerra ambíguo, onde a inocência e a culpa não são facilmente discerníveis.

Daldry, conhecido por seu trabalho na série “The Crown”, aplica sua vasta experiência técnica para convencer o público de que está diante de uma história real de abjeção e ilusões, ambientada em um período delicado da História.

Em 1995, Michael Berg acorda ao lado de uma mulher, provavelmente pela primeira e última vez, e se prepara para ir trabalhar, dizendo-lhe que terá uma semana cheia, justificando uma possível ausência. Este momento o transporta de volta a 1958, quando, aos quinze anos, chega a Berlim vindo do interior da Alemanha. Doente, faminto e solitário, ele para em um beco sombrio. Hanna Schmitz o encontra, o leva para casa e cuida dele com uma dedicação obsessiva.

Nenhum dos dois está inclinado ao amor puro ou platônico. Rapidamente, Michael passa a frequentar a cama de Hanna, que o trata como um menino, expressando sua reserva. David Kross, que interpreta o jovem Michael, aceita a subjugação de Hanna, que demonstra afeto à sua maneira. Ela promete todo o sexo que ele desejar, desde que ele leia para ela antes. Kate Winslet captura perfeitamente a loucura e o fascínio diabólico de Hanna, com a ajuda da direção precisa de Daldry, que a filma nua em várias cenas, sempre equilibrando entre o artístico e o vulgar.

Certo dia, Michael encontra o apartamento de Hanna vazio, sem qualquer explicação. Oito anos depois, já estudante de direito, ele a vê escoltada por policiais em um tribunal, durante um dos primeiros julgamentos dos colaboradores de Hitler.

O roteiro de Schlink e David Hare, bem executado por Daldry, alterna entre os tempos, mostrando Michael adulto, interpretado por Ralph Fiennes. Amargurado e silencioso, ele carrega o maior trauma de sua vida, uma dor que surge como um relâmpago, iluminando tudo por um instante para logo se extinguir, mas deixando um peso constante. Ele se lembra do abandono involuntário que impôs a Hanna e das atrocidades que ela cometeu, enfrentando um dilema ético que deve resolver sozinho.

O caso com Rose Mather, uma judia interpretada por Lena Olin, é uma lembrança dos dias no apartamento de Hanna, com a dor invertida, mas igualmente intensa. Se a personagem de Winslet representa a indignidade máxima, Michael não fica atrás. Quanto mais ele tenta escapar, mais se afunda.

“O Leitor” é uma analogia sutil sobre a influência do acaso na vida humana, sem oferecer uma conclusão definitiva. Sua beleza e força residem nessa ambiguidade. Todos temos vergonhas ocultas, mas é preciso coragem para revelá-las, especialmente em tempos de moralidade artificial, onde tudo é motivo para julgamentos, justos ou não.


Filme: O Leitor
Direção: Stephen Daldry
Ano: 2008
Gêneros: Drama/Romance/Guerra
Nota: 9/10