Não adianta fazer um retiro espiritual se você não acredita em nada disso

Não adianta fazer um retiro espiritual se você não acredita em nada disso

Às vezes virar a página não serve de nada. Não muda a história, não troca os personagens. De que adianta sair pelo mundo afora em busca de gente nova e novas bagagens, quando o voo certamente nos trará de volta ao nosso velho livro de bolso? Um livro recheado de memórias, um diário escrito sem pressa, preenchido pela metade, ou talvez nem isso. Ainda resta um punhado de folhas em branco, mas que, independente da nossa vontade, serão ocupadas com preces, lágrimas, rabiscos e risos. Hoje, depois de algumas escalas, eu me dei conta de que não adianta trocar o cenário quando o protagonista é o mesmo.

Não importa em qual parte do mundo você esteja, por quantos lugares você tenha passado, para quanta gente tenha se entregue, se você é um mero aprendiz sobre as questões humanas ou uma enciclopédia viva de capa dura. Nada disso vai apagar quem você foi, as alegrias que deu nem as besteiras que fez. Nada disso vai abrandar os corações que você partiu, os ferimentos que causou, as palavras que cuspiu e aquelas que calou. Já está feito, meu amigo. O que resta agora é dar “tchau e bença”. É dizer adeus ao pior de você e tentar ter a consciência de não repetir, pelo menos, os mesmos erros. Isso já é um tremendo passo.

Sei que ninguém é ruim por inteiro, mas sei também que ainda não somos bons o bastante — se é que existe um medidor de bondade. É preciso muito arroz com feijão, paciência, resiliência e persistência para ser um tantinho melhor do que fomos ontem. Ainda que a gente se atrapalhe de quando em vez, tenho certeza de que as nossas intenções são sempre as melhores. É que às vezes, quase sempre, a gente falha. Difícil mesmo é acertar em cheio.

Então você me pergunta: para que voar para longe se eu acabo me encontrando, se eu nunca consigo fugir do pior de mim, se eu sempre volto à página anterior? Viajar é como viver uma ficção da nossa própria história, é ser o intérprete de um livro novo em um mundo extraordinário. Resumindo; viajar é ótimo, conhecer gente nova é maravilhoso, mas nenhuma novidade fará de você uma pessoa efetivamente melhor. O novo satisfaz apenas momentaneamente. Depois passa. Felicidade é interiorana e não estrangeira.

Não adianta subir o Himalaia, se enclausurar em um retiro espiritual na Índia ou fazer trabalho voluntário na África. Se você não se reformar por dentro, se não encontrar a verdadeira felicidade e o real sentido da vida, nada feito.

O mundo lá fora não o tornará uma pessoa melhor se você não estiver pronto para receber o que o universo tem para oferecer. E para isso a viagem precisa começar de dentro para fora. Não importa mais se você errou e o quanto errou. Vire a página e escreva uma nova história, sem fuga, sem busca, sem pressa, apenas com a certeza de que o presente é o melhor lugar para estar. Se aqui ou na China, tanto faz. Não importa o lugar quando se tem a melhor companhia: você.

Karen Curi

é jornalista.