O drama baseado em tragédia da vida real que chocou o mundo, concorreu ao Oscar e já foi visto por 100 milhões de pessoas na Netflix Quim Vives / Netflix

O drama baseado em tragédia da vida real que chocou o mundo, concorreu ao Oscar e já foi visto por 100 milhões de pessoas na Netflix

“A Sociedade da Neve” de J.A. Bayona não traz elementos inéditos à trágica história do voo 571 da Força Aérea Uruguaia, que caiu nos Andes em 13 de outubro de 1972. O desastre resultou na morte de 29 pessoas e deixou 16 sobreviventes que lutaram contra condições extremas por mais de dois meses.

Apesar da familiaridade do enredo, Bayona imprime um vigor renovado à narrativa através de um detalhamento meticuloso e um apelo estético marcante. A fotografia de Pedro Luque Briozzo explora tons de azul para transmitir o desespero, contrastando com o branco intenso da neve e do sol invernal, criando um ambiente visualmente angustiante. Os enquadramentos próximos das faces marcadas pelo vento frio intensificam a sensação de vulnerabilidade e sofrimento dos sobreviventes.

O roteiro, adaptado por Bayona, Nicolás Casariego Córdoba, Jaime Marques-Olearraga e Bernat Vilaplana a partir do livro de Pablo Vierci, revisita a tragédia com uma perspectiva fresca, revelando que os mortos ainda têm vozes a serem ouvidas. O texto resgata o frescor de um episódio aparentemente esquecido, mas ainda carregado de significados profundos.

Bayona dedica parte significativa do filme a explorar a vida dos passageiros antes do acidente, semelhante ao que Frank Marshall fez em “Vivos” (1993). A partida de rúgbi do Old Christians Club, um time universitário de Montevidéu, revela as personalidades dos jogadores. Matías Recalt interpreta Roberto Canessa, o impulsivo capitão que inicialmente lidera a equipe, mas após o desastre, Numa Turcatti, vivido por Enzo Vogrincic, assume um papel crucial. Turcatti, que se torna a consciência do grupo, luta contra a fome e o desespero na montanha, recusando-se a consumir os corpos dos falecidos, e acaba sendo um dos primeiros a morrer, pesando menos de 25 quilos.

A questão do canibalismo, que causou desconforto no filme de Marshall, é tratada de forma sutil por Bayona. Numa aparece como uma espécie de oráculo, a quem os sobreviventes recorrem com desconfiança, sugerindo um desprezo merecido.

No 72º dia, ocorre o tão esperado resgate. A edição dinâmica de Jaume Marti e Andrés Gil mantém a intensidade desde a colisão inicial até a dissolução do avião. Após o resgate, os sobreviventes enfrentam outra provação: reintegrar-se à vida normal. Eles devem readaptar-se a chuveiros, refeições quentes e ao convívio com familiares, que os recebem com alívio e incredulidade. Numa Turcatti, que não sobreviveu, permanece como uma figura trágica, mas sem o peso de ter sobrevivido às custas de outros.

Bayona, com “A Sociedade da Neve”, na Netflix, não apenas revisita uma tragédia conhecida, mas também oferece um olhar profundo e esteticamente impactante sobre a resiliência humana frente às adversidades extremas. O filme resgata memórias e levanta questões que continuam a ecoar, reafirmando a complexidade das escolhas feitas em situações de vida ou morte.


Filme: A Sociedade da Neve
Direção: J.A. Bayona
Ano: 2023
Gêneros: Thriller/Aventura/Drama 
Nota: 8/10