A extensão dos filmes de guerra no cinema, seja pela abrangência temática ou pelo apelo comercial, é inegável. Eles mantêm a essência conflituosa dessas narrativas enquanto diretores se empenham em contextualizar eventos frequentemente complexos e delicados, necessitando de uma construção dramática precisa para fazer sentido e envolver o espectador. Diferentes interpretações de um evento histórico, apresentadas e até defendidas por diretores imersos nesse universo por longos períodos, emergem em filmes cuidadosamente produzidos que desafiam verdades estabelecidas sobre determinados assuntos. “O Cerco de Jadotville” (2016), a estreia do diretor de videoclipes Richie Smyth no cinema dramático, não deixa dúvidas sobre a trama que se propõe a explorar, revelando-se surpreendente por esse motivo.
Em 1961, a República do Congo enfrentava uma crise severa. Grandes corporações disputavam os royalties das riquezas naturais de Katanga, uma província rica em minerais e pedras preciosas no sul do país. No meio dessa agitação social, Moïse Kapenda Tshombe (1919-1969) assume o poder, instaurando uma das ditaduras mais opressivas e violentas da história. A ONU envia uma força de paz composta por 150 soldados irlandeses, liderados por Patrick Quinlan, interpretado por Jamie Dornan, para restaurar a ordem na região.
A falta de experiência de Quinlan, combinada com os recursos escassos, leva a uma derrota humilhante: seu batalhão é capturado por três mil mercenários locais, liderados por comandantes franceses e belgas ligados às empresas mineradoras. Os irlandeses são enviados de volta para casa, vistos como fracos, covardes e desertores. Smyth contextualiza o enredo de “O Cerco de Jadotville” no contexto da crescente polarização entre Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria (1947-1991), com o continente africano como campo de disputa entre as duas potências. O confronto entre americanos e soviéticos pelas riquezas do Congo mergulha a sociedade local em um ciclo de pobreza e conflitos armados, com crianças frequentemente se alistando nas fileiras militares em troca de sustento, enquanto o ditador Tshombe enriquece.
O roteiro de Kevin Brodbin e Declan Power destaca que a maioria das batalhas ocorre no campo, acompanhando Quinlan e seus homens, “virgens de guerra”, como mencionado em certo ponto. A falta de habilidade da tropa é um obstáculo significativo, mas os irlandeses mostram determinação; mesmo em isolamento mortal, Quinlan e seus comandados avançam como podem, até perceberem que estão cercados. O filme explora as razões geopolíticas por trás dos conflitos. Conor Cruise O’Brien, o representante da ONU interpretado por Mark Strong, tenta resolver a situação, momento em que o componente histórico de “O Cerco de Jadotville” se torna mais relevante.
Vale mencionar “Cinquenta Tons de Cinza” (2015). O filme de Sam Taylor-Johnson trouxe visibilidade e sucesso a Dornan, permitindo ao ator se aventurar em projetos mais autorais e necessários. O protagonista de “O Cerco de Jadotville”, irlandês como o personagem, desempenha seu papel de maneira controlada, emprestando ao comandante um ar melancólico que o diferencia dos demais soldados. Os longos silêncios de Quinlan são uma reação natural ao tormento que começa a vivenciar, nunca tendo estado em uma situação semelhante e agora liderando um grupo de militares que lutam até a morte, se necessário, para dominar aquele território. Se Quinlan havia pensado que a vitória seria fácil, enganou-se profundamente.
A interação entre Dornan e Strong, dois atores talentosos mas frequentemente negligenciados, é uma mensagem tanto para o público quanto para grandes diretores: é necessário superar a tendência de perpetuar certos profissionais em performances específicas, muitas vezes desconfortáveis e constrangedoras para quem assiste e para quem atua. O’Brien é o papel perfeito para o tipo robusto e algo misantrópico de Strong, que, ao contrário do que se possa pensar, revela uma face surpreendentemente doce ao seguir as instruções de Quinlan. A parceria dos dois, longe de qualquer insinuação sobre bromances e afins, mantém a natureza afetiva da relação, um acerto de Smyth ao tentar humanizar esses personagens e sua miséria existencial.
O elenco é um ponto forte em “O Cerco de Jadotville”, destacando também a atuação impecável de Danny Sapani como Tshombe. Sapani se sobressai tanto que supera os colegas, tornando-se o grande destaque do filme; sua interpretação do déspota congolês abrange momentos de ódio e euforia, mantendo a audiência atenta, já que o filme não possui a força de “Apocalypse Now” (1979), de Francis Ford Coppola, nem o sentimentalismo delicado de “Até o Último Homem” (2017), dirigido por Mel Gibson. “O Cerco de Jadotville” é um filme com uma mensagem clara, alertando sobre a importância de compreender o contexto por trás das grandes e pequenas tragédias da humanidade, todas deploráveis. Os fãs do gênero podem sentir falta de um tempo maior para desenvolver alguns arcos dramáticos paralelos com mais profundidade, mas as cenas de combate valem o investimento.
Embora cuidadosamente planejadas, guerras nunca são inócuas, e quando ocorrem em um país sem democracia, o último bastião contra a barbárie, até os incidentes mais banais ganham contornos de carnificina. Isso prova que, ao contrário do que afirmam tiranos de todas as ideologias, que usam vidas alheias para defender seus interesses, não há nada de divertido na guerra.
Filme: O Cerco de Jadotville
Direção: Richie Smyth
Ano: 2016
Gênero: Guerra/Ação
Nota: 9/10