O filme delirante e subestimado da Netflix que vai te enlouquecer Katrina Marcinowski / Netflix

O filme delirante e subestimado da Netflix que vai te enlouquecer

A existência nos pede coragem constantemente, mas isso não é tudo. Muitas vezes nos deparamos com situações que nos fazem duvidar da beleza da vida, quando pesados fardos nos paralisam, impedindo que sonhos, sejam eles palpáveis ou meras ilusões etéreas, se realizem. A destruição das ilusões, a necessidade de encarar a dura realidade, a silenciosa certeza de que merecemos mais do que o pouco que a sorte nos dá, todas essas dores e infortúnios são parte do caminho de qualquer pessoa, por mais feliz que se considere. Aqueles que possuem pleno controle de suas faculdades mentais têm a habilidade de enfrentar tais desafios e superar obstáculos com mais bravura do que imaginavam. O desafio é manter ou recuperar a clareza para colocar tudo em seu devido lugar.

O diretor Jeff Baena utiliza a protagonista de “Entre Realidades” (2020) para ilustrar a angústia que a vida também pode ser, mostrando que, apesar das muitas dores, viver possui seu encanto. Alison Brie, protagonista e coautora do roteiro com Baena, retrata uma mulher incapaz de distinguir entre a vida real e a fantasia. Inicialmente, o distúrbio mental é apresentado não tanto como fonte de conflito, mas com uma comicidade quase infantil. O roteiro de Brie destaca um histórico familiar de psicopatologias, possivelmente surtos esquizofrênicos, vividos por sua avó, a única figura afetiva em seu passado. Essa mulher, atormentada por lembranças que não consegue distinguir entre passado distante ou mera alucinação, reconhece seu sofrimento, percebe a necessidade de ajuda, mas hesita em aceitar as manifestações incapacitantes de sua doença. O diretor explora essa trama com cuidado, até que não resta outra visão para a personagem, que se encontra imersa na loucura.

Brie dá a Sarah uma mediocridade com precisão cirúrgica. O espectador vai aos poucos conhecendo sua vida vazia. Sarah tem um emprego que tenta ver como satisfatório, mas no fundo sabe que é apenas um meio de sobreviver e pagar sua parte no aluguel do apartamento que divide com Nikki, interpretada por Debby Ryan. Esse peso é aliviado em parte pela amizade, embora superficial, com Joan, interpretada pela excelente Molly Shannon, que é pouco aproveitada. À medida que sua personalidade é revelada, descobrimos que ela e a avó têm a mesma aparência, proporcionando momentos cômicos que levam Darren, o pretendente interpretado por John Paul Reynolds, a acompanhá-la até o cemitério onde sua avó foi enterrada. Como esperado, suas chances amorosas são reduzidas a uma promessa efêmera, culminando na perda irreversível da sanidade.

Compreender “Entre Realidades” exige algum repertório, sendo um dos filmes mais honestos e dolorosos sobre transtornos mentais. O desfecho, onde o título original “Horse Girl” se esclarece, é coerente com a loucura de Sarah, uma mulher dominada por suas próprias idiossincrasias.


Filme: Entre Realidades
Direção: Jeff Baena
Ano: 2020
Gênero: Drama
Nota: 8/10