O melhor filme de ação da Netflix: você não conseguirá piscar

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Um prisioneiro chamado Cain encapsula uma grande carga simbólica em torno de sua triste figura. Autorizado a sair da prisão para visitar sua mãe, que está em fase terminal devido a um câncer de pâncreas, Cain não consegue vê-la viva, mas aproveita a chance de estar na rua para acertar contas com o policial que o prendeu e quase o matou após uma surra. Essa humilhação é algo que ele se recusa a esquecer. Cada instante da liberdade temporária de Cain, homônimo do irmão amaldiçoado no “Gênesis”, será empregado em seu plano de vingança, que inclui, como na narrativa bíblica, eliminar o irmão que acredita tê-lo traído.

Sua mente e coração se alinham nesse processo, enquanto ele também se lembra de momentos agradáveis; entretanto, esses poucos vislumbres de tempos menos tristes são constantemente ofuscados pela intensidade das memórias ruins. A grande batalha que ele enfrenta ocorre dentro de si, contra pensamentos que ameaçam sua sanidade. A vontade de vingança, tão obsessiva quanto carregada de raiva, é seu único estímulo para continuar a viver, mesmo sabendo que, no fundo, sua vida já está perdida.

“Implacável” (2019) faz jus ao título e utiliza esse personagem, a própria personificação da mudança, para explorar temas como determinação e desajuste social, elementos que fermentam na quietude das almas aprisionadas no mais sombrio dos calabouços. O diretor Jesse V. Johnson atende aos anseios do espectador, proporcionando inúmeras sequências de confrontos físicos que tornam filmes como este uma atração distinta no vasto universo do cinema de ação, caracterizado por protagonistas visivelmente perdidos no pouco de dignidade que ainda lhes resta, mas que sabem usar suas qualidades viris para resgatar o gosto pela vida. Esse nível exacerbado de uma masculinidade meio tóxica, que mais envenena que revigora, vem personificada em um homem antes nem tão vigoroso, mas certamente muito mais feliz — ou menos vulnerável à tristeza. Curiosamente, quanto mais seus músculos se destacam, mais evidente fica sua fraqueza, um jogo retórico tão sutil que é preciso refletir para entender o que é exposto.

Johnson aproveita bem essa estética ao investir em seu personagem central. Interpretado por Scott Adkins, Cain começa como um criminoso desacreditado até pelos bandidos que têm relevância no submundo, entre eles seu irmão Lincoln, vivido por Craig Fairbrass. A partir desse ponto, o diretor explora os conflitos familiares que o roteiro de Johnson e Stu Small desenvolve, alternando entre as perspectivas de Cain e Lincoln. Cain, cada vez mais excluído das decisões e dos rumos que os grandes criminosos dão aos seus negócios, enquanto Lincoln é um dos líderes da atividade ilegal, principalmente a agiotagem.

A primeira reviravolta envolve uma traição de Lincoln contra Cain, que o leva à prisão; lá, Cain descobre uma força descomunal que o leva a enfrentar qualquer um que o incomode. O tempo ocioso serve de incentivo para treinos solitários, e a transformação física do protagonista torna-se um dos atrativos da história. Cada vez mais confiante, Cain não hesita em partir para a briga ao menor sinal de provocação, até ser surpreendido por uma manobra desleal do adversário, resultando na aparência bestial que se torna sua marca registrada. Quando vislumbra uma oportunidade arriscada de fuga, ele se lança na empreitada. Consegue escapar e vai diretamente ao pub de Bez, frequentado por mafiosos de alto nível. Não é bem-vindo, mas entra assim mesmo, distribuindo golpes nos guardas. Pede uma cerveja à anfitriã, papel de Kierston Wareing, e enquanto Lincoln, frequentador assíduo do bar, não chega, Cain deixa claro que não está disposto a negociar.

A ação se desenrola basicamente a partir das desavenças entre os irmãos, levadas às últimas consequências numa narrativa cada vez mais sangrenta a cada pequeno anticlímax. O enfrentamento entre Cain e Lincoln, quase todo passado no estabelecimento de Bez, é o ponto alto, até que um dos dois cede. A performance de Adkins, surpreendente e auxiliada pela boa caracterização, resulta numa história em que a violência nunca deixa de ser central, mas que também adquire um tom verossímil de drama. Aqui, quanto mais cicatrizes, melhor.


Filme: Implacável
Direção: Jesse V. Johnson
Ano: 2019
Gêneros: Ação/Crime
Nota: 8/10