Casacos, meias, camisas e sapatos guardados. Hora de fechar a mala e seguir viagem. Na geladeira, um resto da torta preferida para comer quando voltasse. Na escrivaninha o recado traçado à mão desejando boa prova ao filho e bom trabalho à esposa. Era o dia mais feliz de sua vida. Viajaria ao encontro do sonho antigo — o título inédito — na esperança de voltar mais completo do que quando partiu. Decolava com o peito entusiasmado pela possibilidade de honrar o escudo do time, o anseio da torcida, o investimento do pai e o esforço da mãe. Mas o destino não segue lógica. O fim não distingue aqueles que o desejam cansados das próprias cruzes dos que clamam por mais tempo para continuar a missão. Sem aviso e sem método, simplesmente chega e interrompe a utopia de que a vida estará sempre disposta, por acaso ou compaixão, a estender o prazo da nossa existência.
De repente o fôlego acaba. Na pane elétrica do avião de última geração, na estrada pouco iluminada, no tumor repentino, na bala perdida. Acaba para os que ostentam músculos e corações fortes e para os que agonizam seus corpos magros sobre macas improvisadas. Para os que rezam e os que não creem, para os que doam alimentos a comunidades pobres e os que desviam dinheiro de merenda, para os que saíram de casa em busca de troféus e os que foram comprar pão. Acaba para os que gostam de viver e para os que consideram a jornada um martírio. De repente a luz se apaga sem cerimônia, negando a cortesia de anunciar-se previamente para que você possa beijar quem ama, cuidar das plantas e rever orgulhos.
Instalada a dor pela morte dos que queríamos sempre perto, a vontade é de nadar contra a corrente, negar a finitude inerente à condição humana, amaldiçoar aos prantos a impiedade das tragédias que ceifam vidas. Mas de que adianta tentar entender o porquê das fatalidades que cravam nossa fragilidade em nossa face? É assim, gostemos ou não. Triste e incômoda constatação. A nós que ficamos resta a prudência de aprender com os que partiram que tudo é efêmero. Resta-nos homenagear os que se foram com flores e luto mas, sobretudo, com vontade de viver intensamente sem cometer o erro de morrer por dentro enquanto a vida ainda pulsa.
Na queda do avião que carregava quem horas antes fazia planos e estampava sorrisos está o recado central que o mundo emite a todo tempo: a vida é um sopro. Há mais sentido nas mensagens escritas que nas palavras guardadas, nas tentativas que na desistência. Há que cultivar laços, estender as mãos, compartilhar alegrias e, só assim, flertarmos minimamente com a eternidade, edificada no legado afetivo que deixamos aos que não negligenciamos. Ainda haverá muitos voos aterrissando dentro da normalidade. Ainda haverá muitos títulos. Haverá recomeços por todo canto do planeta reavivando nossa fé e amenizando nossos medos. Entre altos e baixos, dores e festas, dramas e dádivas, seguimos presos ao paradoxo humano que nos faz sentir ora implacavelmente fortes, ora miseravelmente frágeis.