Desligue o cérebro por 100 minutos e receba boas doses de humor em filme na Netflix Divulgação / All Screens Films

Desligue o cérebro por 100 minutos e receba boas doses de humor em filme na Netflix

O sonho americano é uma constante na vida de um povo sofredor de um país regido pelo caos. Em “Partiu América”, um homem cheio de aspirações talvez megalômanas só pensa em deixar o Nordeste do Brasil e levar a família para conhecer a Disneyworld numa viagem que não começa exatamente como ele gostaria, mas que acaba rendendo boas lembranças.

Sempre envolvido na produção de conteúdo humorístico para o cinema e a televisão, o pernambucano Rodrigo César reproduz em seu filme boa parte do que se via em atrações a exemplo do finado “Zorra Total” (1999-2015) ou do que continua a se assistir no indelével “A Praça É Nossa”, no ar desde 1956, e chega ao mesmo resultado: uma história cíclica, que não atravessa o continente e não vai a lugar nenhum.

O roteiro de Cadu Pereiva se fixa em comédias de situação enquanto relega os personagens a um melancólico segundo plano, uma escolha que empobrece muito uma narrativa já limitada e que se vai tornando ainda mais falta de recursos cênicos à medida que o núcleo central se aproxima de seu objetivo, desfrutar de alguns dias de no parque temático de Orlando. Como sói acontecer em casos assim, uma ou outra manifestação do elenco confere alguma graça ao apanhado geral, mas chega uma hora em que percebe-se que a viagem avança para além do recomendável.

Sucessão de referências à cultura e à presença americana em território nacional, “Partiu América”, na Netflix, começa mostrando uma casa simples cuja fachada traz a estampa da bandeira dos Estados Unidos. Nela moram Matheus, a esposa, Maria Caranguejo, e os filhos, Flórida e Stevenspilbi, e, claro, a americanofilia do casal explica os nomes das crianças, mas não a vontade de botar uma pá de cal na própria história e viver numa realidade paralela, imaginando-se nos campos do Texas ou na encosta das montanhas do Wyoming, enquanto padecem de carências que assolam imigrantes ilegais com força muito maior.

Matheus, Maria e Stevenspilbi comemoram o aniversário de primogênita, que também faz questão de acompanhar o pai na loucura de conhecer a terra que lhe empresta o nome e, quiçá, vir a ser uma genuína cidadã para além dos confins do rio Grande, obsessão que compartilha com seus seguidores numa rede social. Eles de fato terminam conseguindo dar corpo à empreitada, depois que Matheus é convencido a vender o que resta de seu parque de diversões a Dirceuzinho, um especulador local, numa das melhores passagens do longa.

O desempenho sofrível de Matheus Ceará ganha algum relevo com a ajuda de Rubens Santos, que imprime a Bactéria, o faz-tudo do estabelecimento, a aura brejeira do matuto que pula não por beleza, mas por necessidade, como se vê no João Grilo eternizado por Matheus Nachtergaele em “O Auto da Compadecida” (2000), dirigido por Guel Arraes a partir da comédia dramática de mesmo nome de Ariano Suassuna (1927-2014). Mas que ninguém se engane: “Partiu América” fala de sertanejos gourmetizados, tema que talvez até despertasse o interesse de Suassuna, mas a que o grande defensor dos costumes do Nordeste saberia dar uma abordagem perturbadora, sem esquecer o riso. Rodrigo César não faz nenhuma das duas coisas.


Filme: Partiu América
Direção: Rodrigo César
Ano: 2024
Gênero: Comédia/Road movie
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.