A vida do homem é moldada pelas escolhas que faz. O futuro é esculpido pelas decisões do presente, um princípio crucial para compreender e abraçar o que está por vir. A indústria cinematográfica da Coreia do Sul, cada vez mais em evidência, continua a colher os frutos do filme “Parasita”, lançado com prudência em 2019. Esse filme não apenas conquistou o público, mas também levou o prêmio de Melhor Filme no Oscar de 2020, uma vitória construída sobre anos de investimentos substanciais em cultura, apoiados por leis de incentivo rigorosas. Em 27 de novembro de 2020, o país nos presenteou com mais uma surpresa cinematográfica.
O Oriente tem uma longa tradição de enriquecer o cinema mundial com obras de variados gêneros, contando as mais distintas histórias. Frequentemente incompreendido devido à limitação cultural de observadores de terras distantes, marcados por preconceitos enraizados em uma xenofobia profunda, o cinema asiático exige uma sensibilidade apurada para ser apreciado. Diretores como o chinês Wong Kar-Wai e o japonês Akira Kurosawa (1910-1998) superaram a resistência de alguns segmentos do público e de seus próprios pares, consolidando-se não só no mercado, mas também como marcas culturais reconhecidas. Kurosawa, por exemplo, ao narrar em “Rashomon” a história de um lenhador, um camponês e um sacerdote que se abrigam de uma tempestade sob o que resta do Portão de Rashomon, e relatam suas versões de um crime, alterou profundamente a técnica narrativa e a arte cinematográfica. O efeito Rashomon inspirou cineastas por todo o mundo, incluindo Lee Chung-hyun com seu filme “A Ligação”.
“A Ligação” ousa mergulhar tanto no gênero noir quanto na ficção científica, mantendo uma clareza narrativa que desafia a pressa típica de outros filmes do gênero. Lee Chung-hyun brinca com a mistura de elementos de terror clássico com novos conceitos, conferindo frescor a uma premissa que poderia parecer desgastada. A ciência ficção é usada com destreza para intensificar a história.
Combinando o terror psicológico com especulações futurísticas, o diretor opta por enquadramentos meticulosamente escolhidos, buscando a maior verossimilhança possível em sua execução, quase chegando à obsessão. O uso discreto da câmera de mão, em detrimento de uma imagem mais polida, eleva o filme ao patamar dos grandes filmes de ficção científica íntima, como “Ex-Machina: Instinto Artificial” (2014) e “Blade Runner 2049” (2017).
O enredo se desenvolve a partir de “The Caller” (2011), narrando a história de Seo-yeon, que enfrenta a perda do pai e se muda para a casa de campo da família. Lá, ela recebe ligações de Young-sook, uma jovem da mesma idade que parece precisar desesperadamente de ajuda. As duas iniciam uma relação complexa, mediada por um telefone, descobrindo que Young-sook vive na mesma casa, mas em um tempo diferente. Este elo entre passado e futuro, explorado através de suas interações telefônicas, amplia o tema da urgência das escolhas, atingindo seu clímax na narrativa. Lee Chung-hyun revela uma complexa rede de acontecimentos que destaca a inevitabilidade do tempo e suas implicações na vida humana. A permanência do passado e a insinuação de um futuro moldado por decisões anteriores são abordadas com uma metáfora simples, mas poderosa: uma conversa telefônica através do tempo.
Em “A Ligação”, o mundo é apresentado como uma representação das voláteis vontades humanas, uma humanidade confusa e insatisfeita com seus rumos. A constatação de que não há esperança de um futuro promissor sem um exame cuidadoso do passado, que já não pode ser alterado, mas apenas observado à distância, nos confronta de maneira inesperada. Um dia, todos percebem isso.
Filme: A Ligação
Direção: Chung-Hyun Lee
Ano: 2020
Gênero: Crime / Mistério
Nota: 9/10