O romance épico da Netflix que todo amante de literatura deveria assistir Christian Geisnaes / Netflix

O romance épico da Netflix que todo amante de literatura deveria assistir

Em um cenário onde a internet e as redes sociais são desconhecidas, membros da elite de variados extratos sociais engajavam-se em manobras astutas uns contra os outros, tal como retratado em “Ligações Perigosas” (1782), uma novela clássica de Choderlos de Laclos (1741-1803), que foi avidamente incorporada pela cultura pop moderna em adaptações como “Segundas Intenções” (1999), dirigido por Roger Kumble, e o mais recente “Justiceiras” (2022), criado por Jennifer Kaytin Robinson.

Embora esses dramas de corte possam parecer distantes para quem vive no século atual, Bille August tem a habilidade única de superar essa barreira inicial. “Ehrengard: A Ninfa do Lago” representa mais um capítulo da extensa série do diretor, em colaboração com seu filho, o roteirista Anders Frithiof August, explorando com sutileza e audácia a literatura dinamarquesa.

Neste enredo, um aristocrata precisa explorar habilidades singulares em uma profissão bastante peculiar, com a narrativa saltando das páginas de Karen Blixen (1885-1962) para ser vivificada através do movimento e das cores que são a especialidade do diretor. A adaptação de “Ehrengard” (1962), um dos últimos textos da autora, cumpre exatamente com o que se espera de um filme sobre amores infelizes, destinos traídos, ressentimentos persistentes e amores ilusórios.

O filme começa com uma cena de montanhas majestosas, e gradualmente se desloca para cenários mais intimistas, culminando em uma mulher que se prepara para um duelo de esgrima. Esta metáfora afiada estabelece o clima de “Ehrengard”, que se desenrola através de cenas até chegar a um palácio imponente onde um homem pinta o retrato de uma senhora em trajes imperiais e uma coroa reluzente. Após longas horas na mesma pose, ela ajusta-se e alisa o vestido azul de seda. O pintor se aproxima cada vez mais, até que eles ficam frente a frente, e ela, incapaz de resistir, o beija com fervor.

Cazotte, interpretado por Mikkel Boe Følsgaard, mostra refinada recusa aos avanços da grã-duquesa, interpretada por Sidse Babett Knudsen, em uma sequência que estabelece o tom para o resto da trama. A cena destila um charme discreto, mas significativo, dos 94 minutos do filme, que terminam com uma sensação agridoce. A aristocrata percebe a polidez na recusa dele, especialmente considerando a grande diferença de status social, mas admira sua perspicácia.

Ela acredita que Cazotte pode ser a solução ideal para o problema que atormenta a realeza de Bebenhausen, um reino fictício criado por Blixen: seu filho, o príncipe Lothar, interpretado por Emil Aron Dorph, precisa gerar um herdeiro para a dinastia ou permitir que seu cunhado, interpretado por Jacob Lohmann, assuma o poder. Apesar de considerar a oferta, Cazotte se apaixona por Ehrengard, a dama de honra, o que ameaça seus planos e coloca sua vida em risco.

A presença intermitente, mas pontual, de Alice Bier Zanden como a jovem inocente oferece o contraste necessário em uma narrativa inclinada à decadência. Essa dinâmica é confirmada no final do filme, com Cazotte em Roma aprimorando suas habilidades, já considerado um sedutor nórdico que não deixa de conquistar mulheres experientes, assegurando a continuidade da nobreza europeia.


Filme: Ehrengard: A Ninfa do Lago 
Direção: Bille August 
Ano: 2023
Gêneros: Comédia/Drama/Romance
Nota: 9/10