O psicólogo e psicanalista paulistano, Rodrigo Torisse, está fazendo uma viagem pela França. Ele visitou um dos cenários mais famosos de “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust: a casa da tia-avó do narrador, Leonie. Nesta casa Marcel passava temporadas com a família, na pequena cidade de Combray, nos arredores de Paris.
Não sei quantas vezes li “Em Busca do Tempo Perdido”. Com certeza mais que sete vezes os sete volumes, mas o primeiro com certeza li mais que dez vezes, por prazer, necessidade de alma e deveres acadêmicos.
Vendo os vídeos que o Rodrigo está produzindo no seu passeio, as imagens da casa — tão visitada por mim em minha mente, alma, e, sobretudo em meu coração — deram-me a sensação de notar um lugar muito íntimo, por mim frequentado diversas vezes: reconheci-me lá, atento, fraterno, amável, respeitoso, investigativo, humilde, observando cada detalhe com zelo jamais por mim dado para qualquer espaço em que eu tenha estado ou para o qual tenha ido fisicamente.
Aquela casa, dos registros imagéticos da viagem do meu amigo, teve em mim impressão mais familiar, muito mais familiar do que a de muitas casas por mim frequentadas, ou até mesmo por mim habitadas.
Essa casa da tia Leonie — para mim casa também (e principalmente) de Proust, pela qual tantos personagens passam e dizem, sentem coisas reveladoras a respeito de muitos de nós, destruindo quem éramos para nos reconstruir em seguida, mais firmes e fortes, sendo os mesmos de antes da desconstrução, mas agora totalmente diferentes (ainda que sejamos os mesmos) —, essa casa e tudo de “Em Busca do Tempo Perdido” está em mim mais do que as roupas por mim vestidas, a comida por mim comida, as palavras ditas, as coisas feitas, possuídas ou por possuir.
Proust me conhece, e me conheço mais por ele do que por qualquer pessoa que tenha passado pelo meu caminho, mas não porque ele me disse quem sou, e sim justamente pelo contrário. Ele me mostrou como nunca saberei quem sou, porque jamais estarei pronto: serei sempre um breve projeto de gente, arrastando-me, derramando-me, até me perder — caso não haja arte — no tempo.