Que o mundo está povoado de gente chata nós já sabemos. Nas redes sociais, felizmente há estratégicas opções de fuga: desfazer amizade, ocultar publicações, bloquear usuário… Bom seria se a vida real viesse com botão “ignorar pela próxima meia hora” sem que isso causasse uma enxurrada de mal-estar. Nada resta a nós, miseráveis, senão fugir ou comprar a briga cara a cara.
De todos os chatos, no entanto, um dos piores tipos é aquele que se rendeu à histeria coletiva dos hábitos saudáveis. Por onde passa, alardeia dieta e práticas de bem-estar, tomando o cuidado de selecionar expressões reduzidas ou em inglês: carbo, nutri, cárdio, shape, fit, wellness… Veja bem, não me refiro a quem opta por essa vida de martírio, mas a quem não suporta viver um dia sem alardear aos quatro ventos toda a alegria e sapiência presentes em seu lifestyle (“estilo de vida” para que, quando se pode ter um “lifestyle”?)
Você está ansioso por seu petit gateau, com a boca salivando de desejo e os dedos trêmulos de ansiedade. O garçom chega com a sobremesa e dez colheres, iludindo os demais componentes da mesa. Gentilmente, você dispensa nove. A única sobremesa que você divide é pote de dois litros de sorvete e olhe lá. De repente, a pessoa ao lado — que já havia torrado a paciência com seu macarrão a carbonara — escolhe cuidadosamente um desses comentários (ou despeja logo todos): “nossa, engordei só de olhar”, “mas você vai comer tudo sozinho?”, “quem pode pode, hein?”. Seus olhos reviram nos globos e você pergunta quando é que vão inventar o botão “ignorar publicação” na vida real.
A pessoa não consegue olhar o cardápio sem comentar com toda mesa “Ih, não… Esse aqui não dá. São 1452 calorias, li hoje na Helthiness! Tô fora!” Mas qual é a dificuldade de estar fora sem anunciar a saída? Mais um segundo e já começa a contar da nova dieta que está fazendo. Geralmente é o tipo que força o assunto e abre o celular para comprovar tudo o que diz com fatos e fotos, ainda que a conversa da mesa esteja a léguas daquilo, já que seu cotidiano inteiro se tornou refém do novo cardápio. O quadro é mais sintomático quando vem acompanhado de um novo tipo de atividade física. De repente, parece que a única possibilidade de o planeta se salvar é se todos aderirem ao método.
Veja bem, nada contra quem pratica dieta. Seus benefícios físicos e espirituais podem ser bacanas e o resultado se vê na disposição e silhueta. Nada contra ser “fitness”, nada contra dar-se ao prazer de fazer algo que dê prazer. O problema é querer impingir um prazer individual a qualquer coitado que cruze o caminho. É mandar e-mail para a empresa — com cópia a todos os funcionários — pedindo para substituírem arroz branco por integral. Não se trata da coisa em si, mas sim do praticante deste amargo hábito que, seja por empolgação, seja por sofrimento, não consegue se suportar calado. Parece conversa de extraterreste, mas, assim como estar magro numa roupa pode ser o desejo de alguns, deliciar-se com uma massa gordurosa pode ser a maior alegria da vida de outros. E todos hão de conviver pacificamente, reciprocamente sem se torrarem os sacos.
Mas parece tão difícil! Basta um pobre garçom oferecer uma suculenta coxinha e o indivíduo já solta: “Não, obrigado, cortei o carbo há dois meses. Quero secar as pregas da coxa”. Se o anfitrião tenta agradar com uma lasanha, ele já conta: “Ih, não dá! Minha nutri passou uma tabela de alimentos proibidos. Aliás, vou aqui ler todos os 253 itens para você, pois pelo jeito você ainda não sabe dos malefícios do glúten”.
Imagine que estranho seria se alguém passasse o dia inteiro comentando aos quatro ventos sobre tudo o que comeu e ainda irá comer. “João, acredita que acabo de inserir um novo ingrediente na culinária de minha casa? Beterraba! Pois é, novidade fresquinha!”, “Cassilda, bom dia! Pasme!, a cada dia, tenho aumentado duas colheres de pó de café na garrafa de um litro. Você não sabe a diferença que fez na minha disposição!”, “Júnior, estou tomando um terço a menos de suco no almoço! Menino, me fez um bem que você nem sonha…” Pois se não faz sentido comentar as trivialidades do que se come, que dirá daquilo que se deixa de comer!
A comunidade científica dos alimentos e hábitos de bem-estar vive se reinventando. Assim como o café já transitou de vilão a mocinho e o ovo já foi de causa mortis a salvationis de tanta gente, rezemos para que o chato da dieta também encontre seu lugar no mundo e melhore a peneira dos ouvidos que pretende vitimar. Certamente faremos um brinde de whey em sua homenagem.