Charlize Theron tem ganhado destaque por sua habilidade em ancorar filmes de ação que ganham credibilidade e envolvem o público por meio de narrativas detalhadamente construídas. Essa qualidade é evidente em produções como “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015), sob direção de George Miller, e “Atômica” (2017), dirigido por David Leitch. Theron demonstra uma compreensão ímpar de que o uso estratégico da violência pode ser um meio para aprofundar a compreensão das temáticas complexas abordadas. A cada novo papel, ela se despe de referências passadas e mergulha na essência de sua personagem, mantendo uma intensidade primal que a obriga a manifestar força, mantendo em rédea curta emoções mais profundas para não arrastar consigo aqueles marcados pelo mesmo destino trágico. Essa dinâmica é ainda mais acentuada em sua atuação em “The Old Guard” (2020), dirigido por Gina Prince-Bythewood, onde ela personifica uma figura de raiva contida, perfeitamente integrada ao filme.
Greg Rucka, que adaptou a graphic novel homônima que coescreveu com Leandro Fernandez para o cinema, capta e expande a angústia da personagem principal, Andy, interpretada por Theron. A imortalidade de Andy a coloca em constante confronto com a culpa e o remorso, um estado emocional que nem ela, nem o roteirista, nem a diretora procuram ocultar. Isso é evidente nas interações com seus companheiros, cujas jornadas ganham contornos mais definidos conforme a história avança, capturando a atenção do público com sua combinação de carisma e vulnerabilidade. A complexidade de Andy é tal que ela personifica o perigo em duas frentes, sempre olhando para o futuro enquanto reflete sobre o passado.
Andy lidera um grupo de guerreiros imortais que inclui Nicola ‘Nicky’ (Luca Marinelli), Joe (Marwan Kenzari), e Booker (Matthias Schoenaerts). Booker, que se juntou ao grupo em 1812, atua como uma espécie de consciência coletiva. Ele descobre, de maneira quase trivial, que a união do grupo é sua maior força, e que desvios podem prever desastres iminentes. A entrada de Nile (KiKi Layne), uma fuzileira que se junta após um ferimento milagrosamente curado no Afeganistão, só reforça essa dinâmica. Nile luta com a ideia de abandonar sua vida passada e aceitar uma existência marcada pela eternidade, um destino que ela encontra repulsivo ao perceber que nunca mais verá sua família.
A direção de Gina Prince-Bythewood navega habilmente esses conflitos crescentes, destacando-se no desenvolvimento do relacionamento entre Nicky e Joe, que encontraram o amor apesar de suas origens conflituosas. O filme também apresenta o antagonista Lykon (Chiwetel Ejiofor), cuja presença intensa adiciona uma camada extra de desafio aos protagonistas, e Merrick (Harry Melling), um cientista que busca explorar os imortais para descobrir o segredo da vida eterna, visando beneficiar apenas aqueles que podem pagar por isso.
Em resumo, “The Old Guard” destila uma mistura de cinismo e seriedade, emoldurada por personagens robustos que poderiam muito bem cruzar nosso caminho no dia a dia. O filme oferece mais do que entretenimento; ele propõe uma reflexão sobre a imortalidade, o amor e a natureza humana, elementos que Gina Prince-Bythewood explora com uma habilidade notável.
Filme: The Old Guard
Direção: Gina Prince-Bythewood
Ano: 2020
Gêneros: Ação/Fantasia
Nota: 10/10