A Itália no verão parece ser o cenário perfeito para as descobertas de um jovem rico em férias, e tais descobertas nunca vêm sem conflitos. Em “Me Chame Pelo seu Nome”, o professor universitário Perlman (Michael Stuhlbarg), especialista em cultura greco-romana, recebe a visita de Oliver (Armie Hammer), um estudante que se oferece para ajudá-lo em sua pesquisa. Oliver, bonito, sensível e noivo, logo desperta o interesse de Elio (Timothée Chalamet), filho do professor Perlman, que se vê instantaneamente e assustadoramente atraído pela figura apolínea do discípulo de seu pai.
Ao espectador, é sugerido que Elio sempre foi um homossexual reprimido, por razões desconhecidas — ou melhor, razões muito claras —, que passou toda a sua ainda curta vida aguardando por aquele momento, a visão reveladora de Oliver diante dele, o cheiro de seus cabelos impregnando o ar, a temperatura do hálito do convidado misturando-se ao seu próprio. Se Elio fosse alguns anos mais jovem, certamente teria sido tomado por um transe tão poderoso e descontrolado que ultrapassaria os limites da mente e se manifestaria no corpo, algo semelhante ao que ocorre em analepse com Salvador Mallo, protagonista de “Dor e Glória” (2019), interpretado por Antonio Banderas, no filme do espanhol Pedro Almodóvar.
Perlman é um homem sensível, culto e, acima de tudo, perspicaz, que certamente já havia percebido há muito tempo a verdade sobre seu filho, sem a necessidade de consultar ninguém, nem mesmo sua dedicada esposa e atenciosa mãe de Elio. Talvez o mestre tenha tido uma revelação diferente, é claro. A chegada de Oliver serviu para confirmar as suspeitas que Perlman já tinha sobre como seu filho via a vida e sua própria identidade no mundo. O jovem loiro sacudiu as estruturas daquela família, sem derrubá-las, ajudando a remover algumas pedras soltas e dando ao ambiente uma autenticidade mais genuína.
O fato de a história se passar no já distante ano de 1983 não diz nada sobre uma possível rejeição da família de Elio a Oliver, dada a atmosfera de liberdade em seu estado mais refinado que paira no ar. Este rito de passagem, este registro do amadurecimento de Elio, é o que predomina em “Me Chame Pelo seu Nome”. De forma alguma o filme pode ser rotulado como “filme gay”, “drama queer” ou qualquer outra nomenclatura semelhante. Aqui, é a delicadeza que prevalece.
Sem julgamentos, sem neuroses, apenas uma calma singular. Ninguém se sente no direito de reprimir qualquer pessoa nesse tipo de paraíso pagão, onde a beleza estética e o refinamento intelectual se encontram sem nenhum constrangimento. A narrativa pode até parecer um pouco lenta em certos momentos, mas a beleza da trama — e das paisagens — é suficiente para prender a atenção do espectador, cujo queixo pode cair a qualquer momento sem aviso prévio.
A Grécia Antiga provavelmente foi a única civilização na breve história da humanidade, tal como a conhecemos, em que a relação entre dois homens sempre foi, além de respeitável, incentivada. Conscientemente ou não, o roteirista James Ivory partiu desse argumento — e aqui estamos nos referindo especificamente ao comportamento de Perlman em relação ao seu pupilo. O professor estaria no seu direito se pensasse que Oliver abusou da sua hospitalidade, quebrou a confiança que lhe fora depositada e cometeu uma grave ofensa. Mas Ivory — aos 89 anos, o indivíduo mais velho a ganhar um Oscar, merecidamente premiado pelo Melhor Roteiro Adaptado — não sugere sequer essa possibilidade, seguindo fielmente o que está presente na obra de Andre Aciman até o final do filme.
Filme: Me Chame Pelo seu Nome
Direção: Luca Guadagnino
Ano: 2017
Gênero: Romance/Drama
Nota: 9/10