Será que histórias como a que conta D.J. Caruso em “Amor de Redenção” aconteceriam hoje, um tempo estranho no qual as aparências têm valido mais que a real natureza das coisas e das pessoas, boa ou má; que narrativas assumem aura de verdade absoluta e conspurcam o quer que toquem em caráter absoluto; e sentimentos tornam-se moeda de troca em acordos espúrios, que não satisfazem ninguém e só deixam um travo de amargor quando se desfazem, pouco tempo depois? O roteiro do próprio Caruso, adaptação do romance homônimo da americana Francine Rivers, publicado em 1991, sobre a história do profeta Oseias, que se casou com Gômer, uma mulher de reputação duvidosa, destaca a beleza estética de uma mulher aprisionada numa alma de pecado desde tenra idade, e sofrendo duplamente por não conseguir jamais se acostumar a essa vida. Rivers, fenômeno editorial que se manteve no topo mesmo depois de, convertida à fé cristã, recusar-se a escrever livros profanos, reúne a sua volta um séquito inestimável de fãs, o que, bem ao gosto do zeitgest, implica uma legião de detratores, com acusações de toda ordem.
Como todos as emoções de que o homem desfruta e contra os quais flagra-se numa guerra encarniçada, tentando se libertar e cada vez mais enredando-se em seus fios, igual à mosca na teia da aranha, o amor tem predicados e defeitos de que se gosta ou se desgosta em maior ou menor proporção, despertando assim reações as mais imprevisíveis a depender de quem atinja. O sentir perde-se na imensidão do universo que todo homem e toda mulher sempre foi e continuará a ser, e quanto mais tentamos nos enquadrar aos padrões que não nos servem, mais longe ficamos de nossa problemática (e tão rica) condição de indivíduos.
O cinema faz com que o espaço pareça muito menos solitário e sombrio do que de fato é — malgrado a Terra não se converta em nenhuma reformulação do Éden por isso. O coração é um porto de onde zarpam e aonde chegam milhares de sensações novas todos os dias. Não há nada mais corriqueiro na vida do homem do que a própria banalidade, uma batalha perdida que insistimos em travar com os fantasmas menos óbvios que habitam nossas profundezas mais inacessíveis. Pensamos, uns mais, outros menos, mas todos, sem exceção, sobre se é possível voltarmos ao que fomos, se podemos ter outra vez os desejos que eram nossa própria essência. Perdemos horas de sono, que costumam se estender para o expediente de trabalho, elucubrando, tecendo digressões as mais insanas acerca de como teria sido nossa jornada se houvéssemos tomado essa ou aquela decisão a respeito de tal ou qual assunto.
Uma jovem meretriz olha pela janela enquanto seu cliente termina de se vestir e larga o dinheiro num móvel do quarto sombrio. Essa é uma parte expressiva do que era a Califórnia durante os anos 1870, em plena Corrida do Ouro, uma era nada glamorosa em que homens lançavam-se a aventuras suicidas em busca de uma ilusória fortuna e mulheres como Angel, sem pai ou marido, se encontram na perdição da vida difícil das artes da alcova.
Abigail Cowen encarna com dignidade essa garota infeliz, ensimesmada e, sobretudo, vítima de uma solidão intransponível, incapaz de se entregar ao fazendeiro que se encanta por ela. O Michael de Tom Lewis é o justo da moça, cujo único bem, o nome, guarda para si mesma até o último instante, excelente truque dramatúrgico de que o diretor se socorre na hora certa. O final é ditoso, com direito ao casamento da anti-heroína de Cowen com o mocinho convincente de Lewis, mas os 134 minutos de exibição poderiam muito bem ter ficado em hora e meia.
Filme: Amor de Redenção
Direção: D.J. Caruso
Ano: 2022
Gêneros: Romance/Faroeste
Nota: 8/10