O filme brasileiro mais assistido de 2024 está na Netflix Divulgação / LightHouse

O filme brasileiro mais assistido de 2024 está na Netflix

Misturar é viver. Esse conceito tornou-se um paradigma incontornável da música popular brasileira depois de “Chiclete com Banana”, gravada pelo paraibano José Gomes Filho (1919-1982), o Jackson do Pandeiro. Com a canção, marcada por versos cheios de bossa nos quais Gordurinha, nome artístico de Waldeck Artur de Macedo (1922-1969), e Almira Castilho (1924-2011) especulavam sobre como seria fazer um gringo bater o tamborim, mostrar graça ao acertar o zabumba e aprender, enfim, que o Brasil tem um jeito que nenhuma terra tem.

Não se sabe se o Tio Sam alcançou tais proezas, mas com a brincadeira, Jackson, meio sem querer, acabou virando o arauto do samba rock, o novo gênero que tomou conta das paradas de sucesso naquele longínquo 1959. Em raras ocasiões assistiu-se a fenômeno de inovação artística tão pulsante, muito pelo contrário, e a seu modo “Rodeio Rock” o testifica. Hoje, categorias musicais canibalizam-se umas às outras, tendo por derradeiro alvo o respeitável e tolo público, que quase sempre não tem a menor ideia do que faz diante de ídolos de barro que esfacelam-se à medida que surgem patéticos ineditismos a exemplo do sertarock (ou rocknejo), um Frankenstein que emerge das trevas do mau gosto com o único propósito de fazer dinheiro.

Depois do badalado “Polícia Federal: A Lei É para Todos” (2017), recorte enviesado sobre a Lava Jato, operação da Polícia Federal cuja intenção original de dar um basta a crimes do colarinho branco derivou para a militância política mais rasteira, o diretor Marcelo Antunez arranha o oportunismo de gravadoras, empresários e artistas fixando a história na vida de um astro do sertanejo que se vê impedido de cumprir a agenda de shows e acaba socorrido por um roqueiro raiz e desempregado. O roteiro de Felipe Folgosi, galã de telenovelas durante os anos 1990, dá a chance para o ótimo elenco de coadjuvantes brilhe, pontuando a narrativa com lances em que o casal de personagens centrais surge aqui e ali, no mesmo plano ou não, para  lembrar à audiência que este é, sobretudo, um filme de amor. 

Heródoto, o vendedor de instrumentos musicais vivido por Lucas Lucco, recusa-se a vender uma guitarra profissional a um moleque que, decerto, não sabe distinguir um trompete de uma flauta, e não dá outra: é demitido por Castelo, o estereótipo do lojista simpático e ganancioso elaborado por Marcelo Mansfield. Esse é o gatilho que dispara as milhares de situações mais ou menos críveis a envolver o anti-herói de Lucco, que dá vida também a Sandro Sanderlei, o sertanejo que poderia desnancar Luan Santana, não fosse um ligeiro acúmulo de gordura. Sandro interna-se numa renomada clínica de cirurgias plásticas, mas entra num coma profundo, do qual pode ou não voltar, por uma razão entre engraçada e mórbida.

Essa é a deixa para que Heródoto, o Hero, mate dois coelhos com uma nota só — dê um jeito na vida financeira e materialize o grande sonho de ser famoso por seus dotes artísticos, mesmo que “traindo o movimento”. Antunez leva seu filme para o porto seguro da comédia romântica no momento em que Lulli, a filha de Bento, o pecuarista de Norival Rizzo e ex-namorada do príncipe dos peões, repara no novo Sandro, que agora não bebe mais e parece outra vez tão apaixonado quanto no começo do namoro. Carla Diaz adiciona boa dose de drama ao conjunto, com as consequências previstas. No mais, “Rodeio Rock”, como o sertarock (ou rocknejo), também supre as necessidades de certa audiência, ao menos até a próxima noite de sexta-feira. 


Filme: Rodeio Rock 
Direção: Marcelo Antunez 
Ano: 2024 
Gêneros: Comédia/Romance  
Nota: 7/10 

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.