“Você tem tatuagem?” — Sim, tenho. “Deus não gosta de tatuagens. Você não vai entrar no céu!”, disse-me a menininha. Por um segundo, me senti uma bruxa sendo levada para a fogueira por alguém de apenas 7 anos de idade. Mas ao mesmo tempo, ser alvo de um certo preconceito me fez repensar o quão difícil foi, e ainda é, a apropriação do corpo, principalmente o feminino. Tabus que circundam sua erotização e a captura não autorizada de sua própria imagem continuam a atualizar a ideia de um corpo considerado capital alheio. O desejo é herege e, normalmente, vai contra o bom senso. Fogueira para ele e para toda a carne tatuada!
O corpo é objeto que assume caráter subjetivo apenas na pós-modernidade. Aos poucos, esse corpo, em constante metamorfose, tornou-se um lugar de inscrição subjetiva. As tatuagens não são um sintoma da modernidade. Múmias do antigo Egito, tribos, clãs, judeus numerados, marinheiros solitários, presidiários, marginais, artistas de circo e os mais libertários — entre ritos, mortos, julgados e feridos, toda essa gente fora tatuada. Hoje, os desenhos sobre a pele revelam, além da preocupação estética, um traço essencialmente humano: a necessidade de processar e significar as experiências, dando a elas uma forma de expressão.
A pele assume o formato de uma tela na qual é possível inscrever a história. O artesão, ao talhar o inominável, traz uma figura que o representa. A tatuagem emerge como meio de se exprimir as relações com a própria história. Representa, ainda, um jeito de vedar os furos que a ausência das palavras deixa; é o linguajar daquilo que é inexprimível. Tatuar-se é uma forma, dentre tantas, de se buscar a identidade, de capturar uma imagem rumo à constituição do eu. Um corpo subjetivado é um corpo que necessita se expressar. É um corpo que comunica, um corpo-linguagem. E essa necessidade não é diferente entre homens e mulheres.
Há quem não sinta vontade alguma de fazer tatuagem, e tudo bem. Certamente percorreu outras veredas pelas quais se deu por satisfeita a sua individuação. Mas para alguns, a vontade de fazer uma tatuagem deixa claro um dos caminhos pelos quais o desejo percorre na tentativa de apropriar-se de si mesmo. E tudo bem também.
Fazer uma tatuagem é como aplicar sobre a pele, para sempre, uma memória. Mas não dizem que a beleza mora no esquecimento? Na transitoriedade daquilo que é efêmero? A flor, o orgasmo, o beijo, o riso… Talvez por isso, eu escute tanto a pergunta: “E quando você ficar velhinha?”. Eu sempre respondo: — Serei uma senhorinha tatuada. Quem disse que a vida também não é efêmera?