Grupos criminosos frequentemente capturam a imaginação popular, sustentados pela habilidade de seus membros em polir e reinventar suas histórias. Esta fascinação encontra eco e suporte não só na imprensa e no mundo acadêmico, mas também entre figuras políticas e nos corredores da justiça, onde se decide meticulosamente quais eventos serão iluminados pela atenção pública e quais permanecerão nas sombras. Este fenômeno alimenta uma disputa narrativa que se encaixa perfeitamente nos conturbados tempos atuais.
Por outro lado, histórias contadas em filmes como “Donnie Brasco“ reacendem a esperança de que, em algum ponto e em diferentes lugares do planeta, as engrenagens do crime organizado serão efetivamente desafiadas. Neste cenário, agentes de lei, impelidos por uma combinação de dever e honra pessoal, dedicam-se a confrontar e desbaratar as redes de poder que se estendem desde o tráfico de drogas até grupos que usurpam funções do Estado ou que se financiam através do medo e da extorsão de trabalhadores e comerciantes.
Dentro dessa narrativa, Mike Newell apresenta uma visão perspicaz e detalhada do funcionamento da máfia nos Estados Unidos por meio de “Donnie Brasco“. Este filme, embora permita-se algumas liberdades narrativas, esforça-se para manter uma fidelidade ao real. Ele é construído sobre a adaptação de Paul Attanasio do livro autobiográfico de Joseph Dominick Pistone, divulgado em 1978, que desvenda os mistérios da vida do autor, um agente do FBI que se submeteu a uma transformação radical para cumprir sua missão.
Newell usa fotografias em preto e branco, com o acompanhamento musical de Patrick Doyle, para nos introduzir ao lado mais sombrio da sociedade. Através de suas lentes, somos transportados para um bar em 1978, em meio a uma América agitada por crises e escândalos, onde homens de moral duvidosa discutem marcas de carros. Em meio a eles, Donnie Brasco, alter ego de Pistone, aguarda o momento de agir, camuflado em meio à multidão. Johnny Depp dá vida a Brasco, capturando com precisão o momento de transformação de seu personagem de caçador a presa, frente a Benjamin Ruggiero, vivido magistralmente por Al Pacino.
A trajetória de Brasco se entrelaça com a de Lefty, revelando através da magistral atuação de Pacino uma vida repleta de desventuras e desilusões. O filme explora as vulnerabilidades e a complexidade emocional de seus personagens, desnudando o glamour frequentemente associado ao mundo do crime e substituindo-o por uma perspectiva mais humana e realista.
“Donnie Brasco“ se destaca não apenas como um relato de infiltração, mas como um estudo sobre a fragilidade das relações humanas dentro das estruturas criminosas e as profundas cicatrizes deixadas por esses embates. A jornada dos personagens culmina em um desfecho que, embora previsível, não deixa de ser profundamente comovente e revelador. As ações de Brasco conduzem a incontáveis acusações e condenações, forçando Pistone a abandonar sua identidade e viver sob constante vigilância. Este desenlace evidencia o alto preço pago por aqueles que se aventuram a confrontar as sombras, mas também ressalta a inevitável humanidade encontrada mesmo nos lugares mais obscuros.
Filme: Donnie Brasco
Direção: Mike Newell
Ano: 1997
Gêneros: Crime/Drama
Nota: 9/10