O interesse pela literatura russa no Brasil, com base na tradução de obras de autores russos para o português, se deu de duas maneiras distintas ao longo do século 20. Primeiro veio a prosa, com a tradução de romances e contos de autores do século 19, como Tolstói, Gógol e Dostoiévski. A poesia veio mais tarde, em meados da década de 1960, em quantidade bem menor de traduções e, ao contrário da prosa, privilegiando a poesia moderna russa e, em particular, a obra do vanguardista Vladimir Maiakóvski (1893-1930).
A grande ironia é que Maiakóvski, que teve participação ativa desde o princípio da Revolução Russa de 1917, conquistou a intelectualidade brasileira justamente no período de maior repressão da ditadura militar. Os poetas e irmãos Augusto e Haroldo de Campos estavam entre seus maiores divulgadores, inclusive na tradução de diversos de seus poemas. Daí a espraiar sua influência na música popular brasileira foi um pulo. Era a época do Tropicalismo, capitaneado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, e acompanhado de perto pelos irmãos Campos.
A poesia de Maiakóvski está presente em várias canções da nossa MPB, mas quero destacar aqui a parte final de um poema de Maiakóvski, “A extraordinária aventura vivida por Vladimir Maiakóvski no verão na Datcha”, com tradução de Augusto de Campos, na qual dois momentos nos ligam diretamente a duas ou três músicas bastante conhecidas, duas de Caetano Veloso e uma de Roberto Carlos.
“Brilhar para sempre, brilhar como um farol, brilhar com brilho eterno gente é pra brilhar, que tudo mais vá pro inferno, este é o meu slogan e o do sol.”
Na vibrante música “Gente” de seu álbum “Bicho”, de 1977, Caetano Veloso exalta as pessoas e diz em uma de suas estrofes em que cita seus irmãos, seu filho e alguns músicos brasileiros:
“Rodrigo, Roberto, Caetano Moreno, Francisco, Gilberto, João… gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”.
Já o trecho “que tudo mais vá pro inferno”, segundo Augusto de Campos, ele pegou emprestada da música “Quero que vá tudo pro inferno”, 1965, de Roberto Carlos. Frase esta que também aparece na canção “Tropicália”, 1967, de Caetano.
Nesse torvelinho de empréstimos poéticos, eu só não sei o que Roberto Carlos pensa disso tudo! Caetano Veloso também musicou versos do poeta russo em sua “O Amor”, cantada por Gal Costa. Outros nomes da MPB beberam das poesias de Maiakóvski, como João Bosco, Jorge Mautner, a banda Inocentes, Alceu Valença e Flaviola. O caso mais interessante, li isso há algum tempo e agora não consigo mais achar, é de um disco inteiro dedicado a Maiakóvski, com poesias musicadas e cantadas por artistas brasileiros, que não chegou a ser lançado, ao que parece, por questões de direitos autorais.