Você manda um currículo e não é chamado porque não tem todas as especificações que a vaga pede, porque não sabe todos os programas, não tem todos os cursos nem todas as formações acadêmicas. Também não fala todos os idiomas. É, meu amigo… Não adianta ser bom no que você faz. Isso não é o bastante para conseguir um emprego nos dias de hoje. Você precisa ser, praticamente, uma mistura de MacGyver com James Bond. Aí sim, quem sabe, com sorte, você pode ser chamado para uma entrevista.
Falando em sorte, a probabilidade de você ganhar na loteria é bem maior do que a de ser admitido. Tenho três vizinhos que já acertaram na quadra, alguns amigos que ganharam no bingo, outros na raspadinha. Mas conseguir um emprego, nada. Os números apontam que o país está em crise e a taxa de desemprego está aí para comprovar o que eu estou dizendo. Todo mundo sabe disso. E sabe também que “você precisa ter um diferencial”, “ser proativo”, “dominar as ferramentas X, Y e Z”, e que “falar mandarim é um plus”. Que nada. Você precisa querer trabalhar. Você precisa ser honesto, interessado, ter comprometimento. No mais, a gente aprende.
E aprende mesmo. No dia a dia nós aprendemos um monte de coisas, de programações, escalas, planilhas, botões, nomes de cores, tipos de fonte. Aprendemos a fazer orçamento, a montar relatório, a tratar bem o cliente, a respeitar o prazo de entrega. Aprendemos com o chefe o que é marketing pessoal, descobrimos a redação persuasiva com o colega mais experiente. Com a recepcionista percebemos o quanto é preciso melhorar a capacidade de falar em público, e com a mocinha da limpeza conhecemos a base da matemática financeira.
Uma coisa é certa: ninguém sabe de tudo. Aliás, quem diz que sabe ou é arrogante ou é mentiroso. Porque viver é um constante aprendizado. Depois nós vamos desenvolvendo as nossas aptidões, aperfeiçoando o trabalho rotineiro de cada dia, adquirindo experiências, somando vivências. Crescer é um processo humano, muito antes de ser um requerimento profissional.
Sabe o que eu fico pensando? Onde foram parar as ofertas de emprego nos jornais, as agências de recrutamento e seleção e aquele clássico currículo dentro de um envelope pardo entregue no RH da empresa? Sumiu. Sumiram também o aperto de mão, a empatia, a conversa. Nos transformamos em distantes perfis digitais, sem rosto, sem corpo, sem voz. Nos descrevemos em tópicos e em gráficos, como rótulos de mercadorias que precisam passar por rígida inspeção de qualidade. Somos avaliados antes de qualquer possibilidade de mostrar quem somos e a que viemos.
Em tempos digitais, ninguém se interessa mais pelo que nós temos a dizer. Ou o nosso perfil preenche os requisitos da vaga ou estamos fora. Descartados no lixo eletrônico. Sem mais. Não sei você, mas eu prefiro o velho olho no olho. Eu sei que parece coisa de antigamente, mas na minha época era bem melhor ser humano. Em outras épocas, eu era gente. Agora eu não passo de um perfil, na maioria das vezes, desinteressante.
Por um mundo com mais calor humano e menos distanciamento, mais envolvimento e menos frieza, mais bate papo e menos emoticons. Enfim: mais toque e menos touch. Por favor.